Reportagem


Super Bock Super Rock

No entanto, à medida que avançamos para a entrada deste primeiro dia de festival, debaixo de um sol abrasador neste cenário citadino, há qualquer coisa que clama por praia e natureza.

Parque das Nações

14/07/2016


O festival de verão mais errante no nosso país arrisca-se a ganhar residência permanente no Parque das Nações em Lisboa. Ao segundo ano confirmam-se as boas acessibilidades e comodidades do recinto que parecem deixar muitos festivaleiros satisfeitos. Até as melhorias feitas à mal amada acústica da MEO Arena, que a organização tinha anteriormente avançado, já se fazem sentir, colmatando aquele que tinha sido o calcanhar de Aquiles do Super Bock Super Rock no ano anterior. No entanto, à medida que avançamos para a entrada deste primeiro dia de festival, debaixo de um sol abrasador neste cenário citadino, há qualquer coisa que clama por praia e natureza, que nem o Tejo ali ao lado consegue aplacar, e as memórias do trânsito infernal rumo ao Meco e do pó que mal nos deixava respirar tomam-nos agora de assalto numa doce nostalgia impossível de recuperar.

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Cabe a Débora Umbelino, que artisticamente se assume como Surma, abrir a 22ª edição do SBSR neste final de tarde soalheiro em que procuramos refúgio debaixo da sombra da pala do Pavilhão de Portugal e somos agradavelmente surpreendidos por uma harpa em palco, coisa rara em festivais de verão e só neste primeiro dia contaríamos dois destes unicórnios. A electrónica minimalista e suave de Surma, na sua voz frágil é complementada na perfeição pelo dedilhar etéreo da harpa de Carolina Caramujo. Um bom prenúncio para este início de festival que soluça num atraso de quase meia hora para o quinteto Lucius oriundo de Nova Iorque e Los Angeles, encabeçado pelas super heroínas siamesas de voz pop e colocada, que embora almejem uma pop vintage não deixam de soar a uns possíveis ABBA indie dos tempos modernos.

Os atrasos do Palco EDP trocam-nos as voltas ao mapa dos concertos e acabamos por não arredar pé até à chegada dos irlandeses Villagers. Escolha recompensada por um dos concertos que seguramente fará parte das melhores memórias deste SBSR. Se em disco a música de Conor O’Brien nos soa introspectiva e contida, ao vivo floresce e ganha toda uma segunda vida neste pôr do sol cálido. A voz irrepreensível de Conor agarra o público logo ao início com “Courage” e ali ao nosso lado Aaron Dessner parece também absorvido em contemplações ao palco, que alguns curiosos vão interrompendo para um autógrafo ou fotografia, mas quase ninguém dá por ele. Assim vai a grande turba dos festivais, muitas vezes alheada às bandas, até quando são cabeças de cartaz, sorte para Aaron que assim pode ver Villagers descansado, tirando algum falatório histérico perto de si que nos fez sentir aquela vergonha alheia, mas não temas que em The National eles irão calar-se todos.

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Damos um pulo a The Temper Trap a tempo de ouvir um elogio ao público português e pouco mais nos fica na memória deste concerto de tons pastel dos australianos, que nos faz outra vez questionar a sua presença no palco principal deste cartaz, sobretudo quando já de seguida toca Kurt Vile no palco EDP e é para lá que rumamos sem mais demoras. Ao chegarmos já Kurt desbrava o seu último e incrível b’lieve i’m going down com “Dust Bunnies”, naquele menear despretensioso da sua longa cabeleira, refúgio da expressão da sua cara que tentamos em vão entrever. As músicas de Kurt são de todos nós e o público vibra com o arrastar da sua voz anasalada, herança de Dylan, que nos canta mas sobretudo conta histórias dos dias de todos nós. Haverá quem não se reveja neste refrão “I woke up this morning, didn’t recognize the man in the mirror, then I laughed and I said, ‘Oh silly me, that’s just me’”? Por ali parece que sim pois há quem cante com fervor ao nosso lado a letra de “Pretty Pimpin” de fio a pavio.

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Chegada a hora dos senhores da noite para um vasto público deste primeiro dia de SBSR, The National de volta à MEO Arena, onde há bem poucos anos os vimos ainda com este Trouble Will Find Me na bagagem. Desde então começámos a sentir sede por um novo álbum, sede que nem as recentes estreias de algumas músicas têm conseguido matar. Mas estamos cá de novo porque um concerto dos The National é como aquele reencontro de velhos amigos, em que se contam as mesmas histórias pela enésima vez sempre como se fosse a primeira e a entrada faz-se humilde ao som de “Please, Please, Please, Let Me Get What I Want” dos The Smiths, afinal os velhos amigos não precisam de apresentações. “We missed you” e esta afirmação sincera de Matt Berninger desarma-nos logo ali. Foi um alinhamento generoso tendo em conta as margens ingratas dos festivais. Contámos ao todo 17 músicas, com algumas novidades, mas sobretudo do último álbum e com visitas obrigatórias a High Violet, como “Terrible Love”, “Afraid of Everyone”, “England” ou a sempre arrepiante à capela “Vanderlyle Crybaby Geeks”. Esse eterno enigma que os norte americanos escolheram para encerrar os seus concertos desde há uns anos para cá e que depois de todo este tempo ainda nos surpreende ao encontrarmos novos recantos nas suas palavras e ao arrancar-nos uma emoção diferente, com Matt a entregar-se, como sempre, à plateia em êxtase, que leva assim consigo memórias inestimáveis até ao próximo encontro.

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Mas temos de confessar que muitos de nós que estávamos em The National sentíamos algo a pesar-nos no coração, e não eram apenas as amarguras cantadas na voz de Matt tão transversais a todos nós, era a certeza que ao mesmo tempo perdíamos ali ao lado um outro grande concerto. E tomados por esta angústia atropelamos a multidão na esperança que os atrasos do palco EDP tenham sido afinal uma ponta de sorte para ver ainda Jamie xx. E lá chegados “oh my gosh!”, o choque da festa enorme que ali estava nem nos deu tempo para mudar aquele estado de espírito de autocomiseração que nos acompanhava, simplesmente deixámos-nos abandonar aos ritmos ondulantes e à música vibrante de mil cores com que Jamie xx pintava a noite há já uma boa meia hora. Esta sobreposição não te podemos perdoar SBSR.

Jamie abandona o palco envolto num cachecol de Portugal e a turba segue para Disclosure, num incrível espírito de festa, ainda a gritar a vitória do Euro e não nos recordamos de alguma vez ver assim elevada a moral deste país, parafraseando uma crónica de Ricardo Araújo Pereira, “o que é que estes rapazes fizeram ao país?”. Grita-se “campeões”, grita-se por Éder, canta-se o hino e por momentos parece que nos encontramos à saída de um estádio. Se havia quem ponderasse ir para casa de certo que desistiu e a festa continuou na house music londrina da dupla Disclosure, que encontraram um público à sua medida. Com convidados de luxo como Kwabs, que actuaria no dia seguinte e uma simbiose perfeita do seu som pulsante com os elementos visuais de vídeos e luzes, ninguém deu conta sequer dos problemas técnicos que interromperam o concerto uns largos minutos. Este povo sente-se a viver um sonho e por enquanto não há quem nos arranque dele.

Galeria


(Fotos por Hugo Rodrigues)

sobre o autor

Vera Brito

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