Reportagem


Red Bull Music Academy Culture Clash

4 crews em 4 palcos por 4 rounds disputaram o renhido primeiro lugar no pódio e o público acabou por sagrar a vitória à crew Club Atlas.

Coliseu de Lisboa

20/10/2016


© Red Bull Content Pool

Na noite em que o Coliseu de Lisboa se transformou num amigável campo de batalha, 4 crews em 4 palcos por 4 rounds disputaram o renhido primeiro lugar no pódio e o público acabou por sagrar a vitória à crew Club Atlas liderada por Branko, mas saímos de lá convencidos que foi de facto a música portuguesa a verdadeira vencedora da noite. E dizemos isto porque qualquer uma das outras crews, a Moullinex Live Machine de Moullinex e Xinobi, a Matilha de DJ Ride e a Batida + Kambas e o Próprio Kota! de Pedro Coquenão, seriam justas vencedoras e há que entender os eventos da Red Bull Music Academy sobretudo como janelas para o mundo do melhor que está a acontecer no panorama musical das muitas cidades por onde passa, sejam estas Culture Clashes ou até as mais conhecidas Boiler Rooms, que também já tiveram passagens memoráveis por Lisboa.

Foi uma noite para memória futura muito diferente do formato de concertos e festivais a que estamos habituados, pelas suas características únicas, começando logo pela disposição dos quatro palcos pelas bancadas circulares do Coliseu, mais os vários ecrãs que facilitaram a visibilidade, um bom jogo de luzes que fez da sala uma verdadeira pista de dança e até alguma pompa e circunstância com os vários vestidos cintilantes que Gisela João desfilou e a voz colocada de Alex D’Alva Teixeira, os hosts encarregues da tarefa por vezes hercúlea de puxar por um público meio desatento e pouco preocupado em assimilar as regras de votação e mais inclinado para se divertir a circular entre os vários palcos.

©Red Bull Content Pool

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E passemos à música. O primeiro round de sete minutos serviu apenas para as crews aquecerem os motores, as votações ainda não estavam a contar e até mesmo o público parecia desconfiar de que “isto de votar” fosse realmente coisa séria. A diversão imperava e a crew Club Atlas deu o pontapé de saída a mostrar que estava ali para ganhar com Carlão e Kalaf a debitar rimas, recordando temas dos Da Weasel, que todos conseguimos acompanhar, e com o afro house da família Buraka a fazer estremecer os primeiros decibéis da noite registados pelo sonómetro.

Começo energético com passe de bola para a crew Moullinex Live Machine com Da Chick a incendiar a plateia com a sua habitual garra, Moullinex e Xinobi trouxeram a simbiose perfeita entre funk e rock ajudados por The Legendary Tigerman, mas a saírem prejudicados pelo som embrulhado, que durante a noite favoreceu sobretudo os graves e as batidas pujantes das restantes crews, que terão certamente provocado algumas arritmias pela plateia.

©Red Bull Content Pool

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De seguida a crew Matilha tomou de assalto o round com grande loucura e anarquia e convenhamos que se há estilo rei em batalhas, esse estilo é o hip hop. Muito despique às restantes crews dos vários MCs em palco, Jimmy P e os MGDRV com DJ Ride sempre magistral no scratch. No entanto no decorrer dos restantes rounds faltou-lhes alguma surpresa que as outras crews conseguiram alimentar melhor e acabaram por não roubar o público no final da noite.

Por esta altura a noite até parecia estar a ganhar contornos sérios de competição, até a crew Batida + Kambas e o Próprio Kota! ocupar o seu lugar em palco, com toda a serenidade e descontração de Pedro Coquenão, que desta vez apareceu mesmo (recordámos a sua recente passagem pelo Festival Iminente onde um manequim ocupou o seu lugar em palco confundindo uns e fazendo as delícias de outros na sua mensagem subliminar ao falso estatuto de muitos DJs da actualidade). Também nesta noite Batida colocou o dedo na ferida, gritou-se por liberdade e vaiou-se contundentemente José Eduardo dos Santos, é que pelo meio da festa dos ritmos quentes africanos da música de Batida há sempre lugar para exorcizar demónios.

©Red Bull Content Pool

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Depois de um primeiro round tão intenso parecia difícil esperar por mais surpresas, mas não faltaram convidados de luxo e certamente muitos nomes ficarão por mencionar nesta reportagem, de tantos que foram os momentos inesperados nas cerca de quatro horas absorventes que vivemos no Coliseu. A crew Club Atlas despediu-se com Nélson Freitas e Richie Campbell a agarrar definitivamente a vitória da noite. Pelo palco da Moullinex Live Machine vimos por exemplo Da Chick descer por uma corda desde o tecto do Coliseu, tivemos um momento gospel com direito a coro, vimos os Best Youth com Catarina Salinas a surgir inesperadamente montando um cavalo branco e Selma Uamasse a destruir-nos a todos com o seu vozeirão. Do lado da Matilha Stereossauro trouxe o sempre arrepiante remix de “Verdes Anos”, Capicua desferiu golpes com as suas rimas acutilantes e os B-boys arrasaram qualquer sonho de breakdance por cumprir por entre a plateia. Do lado da Batida sentiu-se a generosidade na partilha do palco de Pedro Coquenão com todos os seus amigos, desde o mais esperado, o Kota Bonga que surpreendeu tudo e todos em tem para nós Recados de Fora, o seu álbum novo, passando pelo verdadeiro momento de tirar a respiração da noite com a coreografia dos gémeos André e Gonçalo Cabral e ainda o privilégio de assistir aos Konono Nº1, em que os escassos minutos do último round nos pareceram cruelmente curtos.

No final da noite e depois da glória para o Club Atlas fica a promessa do regresso da Red Bull Music Academy Culture Clash para o próximo ano. E nós garantimos também presença, só pedimos que a festa se faça a uma noite de final de semana para que o after se prolongue até ao sol raiar, com toda esta música vibrante e de batida forte que nos ressoou no esqueleto noite fora.


sobre o autor

Vera Brito

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