Reportagem


And So I Watch You From Afar + Paisiel

Matemática Aplicada Às Ciências Musicais

Musicbox

30/10/2017


Descrever a experiência ao vivo de um concerto de And So I Watch You From Afar é equivalente a traduzir em palavras a cor azul. O melhor que se pode esperar é que, no fim, depois alguém fique, pelo menos, convencido de que é uma experiência bonita que só in loco se compreende.

Durante a estada em Portugal, os irlandeses fizeram-se acompanhar dos Paisiel para os concertos no Porto e em Lisboa. A banda toca pouco, 30 minutos, e fala ainda menos. É compreensível; a sonoridade atmosférica que dali resulta pede sequência e não interrupção. A premissa parece simples de resumir: evocar um transe quasi-tribal através da linguagem do jazz. Para o conseguir é mais complicado. No entanto, um saxofone que conhece todas as regras que tem quebras, uma bateria que faz da repetição uma arte e um rancho de efeitos de pedaleira, do reverb, ao loop e outros que nos escapam.

Os dois a quatro temas – consoante as divisões arbitrárias que fizemos na nossa cabeça – argumentaram bem a causa dos Paisiel. O que, em última análise, nos convenceu foi o mini-gongo. Porque, quer dizer, é um mini-gongo e nós não somos de pedra.

O alinhamento termina. Os dois jovens levantam-se, “obrigado”, e termina assim.

Aos irlandeses.

“Thank you for coming out on a fockin Monday night.”

A frase é de Rory Fries, guitarrista que tem tanto de talento como de calva, e denuncia-lhe o sotaque espesso e a gratidão na voz. E é isso a que soam os And So I Watch You From Afar, a um enorme obrigado por alguém os estar a ouvir.

O MusicBox estava cheio, mas não a abarrotar, mas os que o enchiam tinham as onomatopeias e interjeições decoradas. O alinhamento começa com “Search: Party : Animal” a testar as engrenagens das máquinas de palco do post-roque. Moche, nem vê-lo, mas ninguém diria que seria falta de entusiasmo da banda ou do público.

Aliás, confessamos que é complicado fazer uma avaliação do quão apreciativos estavam aqueles que saíram de casa numa segunda à noite para estar no MusixBox; não há letras para acompanhar e ler pensamentos ainda não nos assiste. Se medíssemos headbangs por segundo – hbps ? – talvez tivéssemos uma resposta definitiva, mas qualquer coisa abaixo do impressionante implicaria que estaríamos em concertos diferentes.

Uma particularidade dos ASIWFA é para quem a banda olha para receber as suas deixas. Se o motor da banda tende a ser o baterista e tudo o resto tem que o seguir, o inusitado nos irlandeses é que os olhos do baterista estão postos em Rory. Os nossos também, mas por razões diferentes. Não obstante a banda viver do peso e ritmo do mathcore que as diferencia do restante manancial de projectos caspianescos (ver também: “bandas que soam a Explosions In the Sky”) do post-roque, é a guitarra que comanda as atenções. Há guitarristas que fazem tudo parecer fácil; Rory é o oposto. Tudo parece sacado a ferros e é a tensão de sentir que a qualquer momento tudo pode correr mal que nos galvaniza.

O alinhamento é o affair esperado. Do novo álbum há apenas dois temas, apesar de em palco nos dizerem que as pessoas têm gostado. Acreditamos. Claro é que são temas como “7 Billion People…” e “Set Guitars To Kill” que nos saciam a vontade de mais. E depois há “Beautiful Universe Master Champion”, uma espécie de Matemática Aplicada Às Ciências Musicais, mas que as pessoas escolhem porque querem e não porque é mais fácil. É o tema mais fácil de ASIWFA para apresentar a quem não conhece porque soa a alegria contagiante. E não obstante o lado contemplativo, que a banda também tem, o post-roque também tem que ser mais do que música para b-roll de imagens da Islândia. Garra e diversão também fazem falta e é isso que estes quatros rapazes têm a mais.

Durante o concerto ainda houve tempo para um diálogo entre Rory e o público e para nos deixar a saber os hábitos de festa da banda. Surpreendente moderados. Uma bebedeira em Barcelona e foi só. “ We dropped acid in Madrid,” ainda fez arregalar alguns olhos no escuro, mas não passou de fake news.

“The Voiceless” anunciava o fim do concerto. As palmas eram muitas, o suor em palco profuso e a vontade de mais tangível. Até à próxima.

Galeria


(Fotos por Ricardo Almeida)

sobre o autor

Jorge De Almeida

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