Pedro Sáfara é um estudioso de todas as artes que pratica tendo, à cabeça, a literatura e a música.
Nascido no Brasil há 31 anos, chegou a Portugal ainda menor, e por cá ficou e iniciou a sua carreira artística. Tendo criado e participado em diversos projetos artísticos na área do teatro, da literatura e, claro está, da música, Pedro Sáfara distribui o seu tempo entre o estudo, o ensino e a atividade musical.
Sendo um compositor em permanente atividade, selecionou 12 canções originais, das muitas que compôs, e que integram o seu primeiro disco Florilégio, editado pela Jugular Edições.
De estrutura assumidamente simples e com recurso apenas ao seu violão e ao piano de Sérgio Costa, Pedro Sáfara apresenta em Florilégio temas de uma biografia comuns a todos numa proposta musical de elevada qualidade de composição e poética de grande proximidade que nos é trazida pelo timbre suave com que Pedro Sáfara as interpreta.
#1 A Noite
Esta canção é uma homenagem à madrugada; João Gilberto dizia que à noite as pessoas cantavam mais sinceramente. Também explorei nesta canção um tropo comum – o da divindade que se disfarça para testar os mortais, o do santo que estima os generosos ao se fazer pedinte, etc., etc.
#2 Boêmia Monástica
Esta música surge de um esforço de torcer a simbologia cristã à procura de outros sentidos que não a mera religiosidade rígida, fixa, cerimonial. É o evangelho de uma santa inventada, protetora das prostitutas e dos mendigos petulantes.
#3 A Medida da Classe
É uma música inspirada na classe média brasileira, especialmente naquela que ascendeu recentemente. Ao ascender, negam as condições sociais que possibilitaram a remuneração de seu esforço, e julgam-se superiores aos que ainda vivem na pobreza.
#4 Dance
É uma canção que dedico a Tom Jobim, pelo seu rigor formal e sua criatividade harmônica. É uma letra mais leve, mais cotidiana, posta sobre uma melodia desafiante e uma harmonia incomum. A ponte desta canção é como um desafio a Jobim: como quem diz, eu também sei compor boas pontes, mestre Jobim! Obrigado, mestre!
#5 Quem Sabe
Quem Sabe é uma oração em jeito de possibilidades. É endereçada a quem passa por dificuldades, aos derrotados do carrossel frenético do capitalismo. Sempre pensei que a canção deve muito ao marginal, a quem se recusa ao trabalho, às casas mal frequentadas, à boemia selvagem.
#6 Olhos Crus
Das primeiras canções que compus em Portugal. À altura estudava eu o Conceito Cromático Lídio, de George Russell e lia muito sobre antropologia. Os olhos selvagens da minha namorada, crus por oposição cozido, a minha insegurança em ser capaz de acompanhar sua espontaneidade vívida, a minha ambição harmônica e melódica da altura, está tudo condensado nessa canção.
#7 Nudez Comum
Canção que compus inspirado no desafio que João Cabral de Melo Neto lançou a Vinícius de Moraes: falar de outras entranhas que não do coração. Também interviu aí a percepção de que nós, contemporâneos, temos muitas dificuldades em dizer simplesmente e sem mais explicações: eu te amo.
#8 A Liberdade
Depois de estudar Hegel, percebi que, contrário a uma ideia muito comum sobre a liberdade, nós nos fazemos livres. A liberdade não é um dado, um fato nato, mas uma constante batalha contra a entropia da submissão e da subordinação a fatores exteriores. A liberdade se aprende. É um samba em sua forma e harmonia, à moda dos antigos samba-canções da lavra de Noel, Cartola e Nelson Cavaquinho.
#9 Motivos de Medeia
Uma canção sobre o contraste entre o mundo interior e os comportamentos visíveis, também sobre as dificuldades de se viver de arte. Medeia é uma figura central aí pois seus atos podem apenas ser estimados tendo em conta as consecutivas humilhações que sofreu. O quanto por vezes podemos suportar antes de explodirmos num comportamento aparentemente inexplicável!
#10 Lui
Dedico essa canção à Luiza que, abandonando-me, libertou-me. Guardo sua memória com muito carinho. Quis compur uma canção de coração partido que não se reduzisse ao mero ressentimento da separação.
#11 Passeio
Um sambinha sobre perfis recortados à contraluz do quarto, sobre o tesão comedido do casal que se abandona na cama, e também sobre os riscos que temos de admitir se quisermos amar.
#12 O Sol
Esta canção foi um remate na minha problemática relação com a natureza. Sempre fui uma pessoa citadina, que prefere o desenho de uma criança à mais bela paisagem, a esplanada à floresta. Mas um dia, observando o sol que se refletia nas águas do rio, veio-me um enorme amor pela natureza e pelo que há de natural no ser humano. Esse amor se cristalizou nesta canção.