Reportagem


Woods

Dentro da chonice há garra, bem como uma garrafa de cerveja a servir de badalo.

MusicBox

08/04/2017


© Woods

Os Woods são uma espécie de cabana-chavão que serve de metáfora à folk e derivados: afáveis em e fora de palco. Contudo, também têm o seu lado negro e aventureiro – cada vez mais à mostra – e encharcado em ansiedade, ou não reflectissem muitas das canções a vida recente de Jeremy Earl, fundador e líder da banda e que também assume a direcção da Woodsist, a editora da banda e de White Fence, Mac DeMarco e Psychedelic Horseshit, entre outros. Os Woods levam já doze anos disto e transformaram-se entretanto em escola de folk psicadélica e quejandas: Kevin Morby, um dos vencedores do prémio “Agora Já Todos Gostam”, por lá passou enquanto baixista – entre 2009 e 2013.

Não estamos, pois, perante uns meninos choninhas quaisquer que estejam na berra por mero hype de quem não percebe nada de nada. Pelas 23h00 entraram em palco – podiam ter esperado mais um pouco, que ainda havia gente de fina cepa cuja sobremesa impediu a sua presença no MusicBox.

A paleta sonora dos Woods inclui agora mais arranjos – sopros incluídos, como bem se ouve em City Sun Eater in the River of Light, álbum de 2016 que agora nos foi apresentado (com outro trabalho, Love is Love, prestes a ser lançado). Foi com Leaves Like Glass, de With Light and With Love (2014) que Jeremy Earl e os Woods exorcizaram os pecados da sua mata. Duas seguidas de City Sun Eater…, com destaque para o wah-wah a fundo à J. Mascis de “Hollow Home”. Confirma-se: dentro da chonice há garra, bem como uma garrafa de cerveja a servir de badalo.

Luz vermelha no palco e “Sun City Creeps”, de City Sun Eater in the River of Light – aqui em versão redux, sem os arranjos funk mas com uma agressividade que, numa banda menor, pareceria fora de sítio, mas que se torna poderosa no improviso de Earl, Taveniere e companhia. Earl e Taveniere entendem-se magnificamente nas guitarras, com o resto da banda – John Andrews (também dos Quilt), Aaron Neveu e Chuck Van Dyck – a formar uma bola de fogo (incha, Pitbull) folk que incendiou a cabana da inocência dos Woods.

Se sentimos falta dos arranjos de sopros em “The Take”, o regresso à folk mais convencional de “Shepherd” confirmou que os Woods são os pastorinhos mais proeminentes da folk psicadélica. Num alinhamento demasiado preenchido pelos dois últimos álbuns, prazenteiras “Cali in a Cup” de Bent Beyond e “Be All Be Easy” de Sun and Shade – teria sido pedir muito tocarem “Any Other Day”?

O músculo eléctrico da digressão voltou a supinar em “With Light and with Love”, com os seus nove minutos de tensão folk psicadélica ampliada em palco – mais remiscente de uns Sir Lord Baltimore do que de camisas de flanela e falsetes. Completo desabrochar de toda a qualidade dos Woods enquanto compositores e executantes; impressionante como Jeremy Earl não perde a compostura e, mesmo no meio do barulho, é de tal maneira contido que se torna um Diácono Remédios da folk psicadélica.

Uma prenda em forma de novo regresso ao passado: “Suffering Season”, do agora remoto At Echo Lake (2010). A energia já nessa fase da banda era uma constante, não tendo os puristas muito que se queixar.

A noite findou com “Moving to the Left” de With Light and With Love, canção acessível mas cuja simplicidade esconde o que a vida é: uma roda que nunca mais acaba, com uns embaraços pelo meio. Sendo já habitual no fecho de actuações dos Woods, o músculo sonoro que as digressões trazem dá-nos uma versão mais potente e com um coda final que a distingue das outras vezes que os vimos – sempre com aquele wah-wah que alegra qualquer um.

Uma divagação que não soou a um suspiro de alívio de fim de festa, mas sim à confirmação de que os Woods são uma das bandas mais interessantes do nosso tempo, capazes de grandes canções no seu género, que não são marinadas passadas do prazo, antes de evolução em certa continuidade (passe a referência) e de, felizmente, os apanharmos em palcos onde lhes podemos ver as meninas dos olhos e não perder a intimidade que perpassa por mais de dez anos – e que, ao contrário de certas vacas sagradas, não goza e desrespeita o público. Merecido descanso por Lisboa nestes dias, para depois descolar pela 03/21 rumo a casa, com a missão cumprida.

Pelas bandas do Tejo vimos o rio de luz, o amor e as cores garridas da música dos Woods, com a intimidade e solenidade que merecem – seja numa sala lisboeta ou num quartel de bombeiros courense.


sobre o autor

José V. Raposo

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