Reportagem


Julia Jacklin

As baladas de Julia Jacklin ressoam no público como sinos em dia de festa.

Praia Fluvial do Taboão

14/08/2019


© (não foram autorizadas reportagens fotográficas do concerto)

Vinda de Blue Mountains na Austrália para o Minho verde, eis Julia Jacklin. A cantautora australiana anda a apresentar Crushing (Polyvinyl, 2019), portento de tensão retraída e de verdade estendida. Com poucos acordes e pouca complexidade diz tudo o que tem para dizer, encimando com uma voz expressiva e bela q.b..

De mansinho e com um céu a abrir recebeu de mansinho os convivas, ainda frescos de banhos no rio ou nos chuveiros do campismo, com uma acertada Body. Mansidão que passou a falsa perante uma devastadora Eastwick, um turbilhão que envolve cinzas do pai espalhadas em sofá alheio e pernas inadvertidamente à mostra. Há que a ouvir com atenção e a grande moldura humana vai cumprindo – mais selfie, menos selfie.

As baladas de Jacklin ressoam no público como sinos em dia de festa de aldeia: uns olhos fechados aqui, uns ombros mexidos acolá e um alívio de tensão emocional sai do PA do palco Vodafone. Dirigindo-se ao público entre canções pela primeira vez, pergunta: “quem são vocês?”; pergunta retórica à qual não sabemos dar grande resposta, salvo sermos uma turba sequiosa de análise do espírito e obra de Julia Jacklin.

Peça central da actuação foi Don’t Know How to Keep Loving You, composição que tão bem retrata o período crítico pós-fase cor-de-rosa nas relações amorosas, com uma crueza que lembra Phil Elverum a escrever sobre a morte de Geneviève Castrée. E detalhes obsessivos sobre limpezas de pele e amizades entre comadres. Primeiro momento marcante (no recinto) desta edição do festival.

A dada altura dispensa a banda e enfrenta-nos sozinha – esse clássico dos cantautores – em Comfort. “You’ll be okay, you’ll be alright, you’ll get well soon”, versos que assentam numa luva a quem tem de acampar e tomar banhos de água fria em nome de acordes mágicos (não é o nosso caso, #chupempobres).

Jacklin não tem a garra nem o humor de uma Courtney Barnett, mas tem uma voz e uma verve que a distinguem das demais gajas-depressão e colocam-na merecidamente em posição de destaque. Podemos imaginá-la a escrever a escrever canções lá nas montanhas em redor de Sydney, munida de guitarra, caderno e caneta ao lado – mas deve ser só num café local, ao som da brutalidade igualmente crua do futebol australiano.

Good Guy anda de braço dado com Don’t Know How…; se uma retrata a incógnita do amor verdadeiro pós-ilusões do início, a segunda o momento da entrega do coração à irracionalidade do amor. Tema batido? Obviamente, mas Jacklin consegue garimpar as palavras e acordes certos, acompanhada de uma banda toda ela de Toronto.

Se o amor está mais batido do que sabe-se lá o quê, a FOMO festivaleira é da ordem do dia. Que bem soube o fim de concerto com Pressure to Party, autêntico hino ao dito temor de não comparecer em festivais e à vontade ditada não por amor à camisola, mas sim por ataques de ansiedade causados por esse agente dela, o feed de redes sociais. Ficou tudo dito e nós por cá esperamos por mais um capítulo da vida de Julia Jacklin (ou Jackling, segundo a placa de camarim).


sobre o autor

José V. Raposo

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