Reportagem


Royal Blood + Black Honey

Ritual do Descomunal

Campo Pequeno

28/10/2017


O luxo que é a ter realeza do rock pesado duas vezes cá pelo burgo não deve ser sobrestimado. E, no entanto, houve quem estivesse a ver os The National.

Pronto, pronto. Foi só uma farpa bem-disposta. Nós também gostamos dos The National, mas o entusiasmo de ouvir – ou não, depende da proximidade a palco –  a “Vanderlyle Crybaby Geeks” desligada dos amplificadores não está lá.

Não, o que queremos para a nossa vida é a sequela do melhor concerto do palco secundário no NOS Alive. O que suscita a questão, é a sequela capaz de superar o original?

Bem, não. Mas, continuando a analogia, ainda que Royal Blood no Campo Pequeno não tenha sido um “Império Contra-Ataca”, foi um sólido “Rocky II”. É a mesma história, estamos a torcer pelo mesmo, as mesmas emoções vêm à tona, mas um bocadinho menos. Admitimos que o “factor surpresa” já não estar presente possa ter influenciado a nossa análise. Mas não nos interpretem mal, se no Alive foi um 9, no Campo Pequeno foi um 8,5. Se alguém disser que foi o concerto de uma vida, aceitamos sem torcer o nariz.

A noite começou com o “olá, Lisboa” dos Black Honey e respectivas apresentações.  Não queremos fazer a mesma comparação sempre que uma frontwoman loira de voz arranhada pisa um palco, mas não passou um segundo em que não nos lembrássemos da Courtney Love. São parecidas? Marginalmente, mas se não há ali influências, há coincidências, pela certa.

Black Honey

Black Honey

A banda de Brighton, conterrânea dos anfitriões da noite, fez conhecer o seu indie rock ao público português que se mostrou disponível para palmas e gritos de aprovação. O som nem sempre foi o melhor, mas há garra nos riffs dos britânicos para nos trazer boas memórias de Angel Olson e de “Shut Up Kiss Me” ou dos Lush. A comparação é do The Guardian, mas faz sentido.

Em menos de uma hora a banda fez render uma setlist de sete temas que a custo se entranharam e nos deixaram a questionar se teríamos gostado mais se já os conhecêssemos. “We are Black Honey and we are supporting your favorite band. Are you ready?” Prometemos estar para a próxima. Ficámos com a distinta impressão que a canção que será o próximo single foi dos melhores momentos em palco, mas o som que saía do microfone da vocalista não deixou perceber-lhe o nome. “Hello Today” fez abanar cabeças e acabámos por sair satisfeitos. A lição estudada e melhor som para uma próxima vez é o que pedimos.

Está na altura do duo da noite entrar em palco. Enquanto se espera que o palco se componha pede-se mais uma cerveja enquanto as 21h não chegam. Pequeno à parte: às dez pessoas que cantaram os refrães da “All My Life” dos Foo Fighters enquanto ela passava no PA, o maior dos “thumbs up” para vocês.

À hora marcada tudo estava pronto. As luzes apagam-se, as colunas debitam “Down in Mexico”, tema dos The Coasters, e Mike Kerr e Ben Thatcher entram em palco acompanhados por um duo de moças que ajudaria pontualmente nos coros. É a “wraygunificação” dos eventos ao vivo e nós aprovamos.

“How Did It Get So Dark”, single do álbum homónimo dá o mote para o ror de música pesada e orelhuda que se precipitaria pelo Campo Pequeno sem nunca dar cavaco. O moche que começou em “Where Are You Now” foi presença constante e acalentada. A voz afinada do público deu corpo à de Mike, mas quando este se calava para deixar os riff falarem por si reparámos na primeira diferença de atitude em relação ao concerto do NOS Alive: o Campo Pequeno era mais selectivo nas linhas de baixo que emulava. Também o som parecia não tão cheio, pormenor tanto mais estranho quando comparamos uma tenda a um espaço fechado.

E depois há a cerveja voante…

Um pequeno tl;dr daquilo que escrevemos e apagámos: se já atiraste um copo cheio de cerveja ao ar num concerto és lixo e deves evitar procriar.

Royal Blood

Royal Blood

Voltando ao palco a energia é contagiante e funciona reciprocamente. Quando Mike Kerr nos confessa que Portugal é um dos melhores sítios para tocar nós acreditamos. Não só porque somos crédulos na voz honesta do vocalista, mas porque é praticamente tangível o quanto o público português está grato pela simples existência do duo. É rock pesadíssimo e descomplicado que faz falta num panorama mais mainstream. Os Cage The Elephant ainda não estão bem lá, os Biffy Clyro optaram por se suavizar, os QOTSA optaram por uma abordagem mais complexa que começou com …Like Clockwork e os Foo Fighters visitam-nos com a periodicidade de um pai ausente. Os Royal Blood, para quem não ande à procura no mundo do metal, são os agentes da catarse possíveis. E, Deus os cuide, são impecáveis no que fazem.

Com apenas dois álbuns o alinhamento não terá sido complicado de fazer. A estreia ao vivo de “Don’t Tell” é um sucesso automático e o testemunho ao talento dos britânicos para ganchos musicais é poderem deixar de fora temas como “Better Strangers” e incluir “ Blood Hands” apenas com protestos dos mais picuinhas de nós.

No Alive dizíamos que os temas do primeiro álbum eram os mais consolidados; apenas escassos meses volvidos damos graças por How Did We Get So Dark?, álbum que dá ao reportório dos Royal Blood sabores mais ecléticos. “I Only Lie When I Love You” mereceu o carinho de um daqueles temas que já faz parte da mobília dum espetáculo ao vivo.

Claro está que o prato forte da discografia é o que fica para o encore e quando o duo sai de palco após “Figure It Out” não é supresa para ninguém o que ainda está para vir.

“Ten Tonne Skeleton” e “Out Of The Black” deixou um Campo Pequeno a ir buscar o que lhe restava de combustível à reserva. As vozes queimavam os últimos cartuchos e o moche já era mais trapalhão que violento, mas ninguém deu parte fraca.

Os Royal Blood começam assim uma digressão da melhor maneira. As descidas de palco de Ben Thatcher são sintomas de um concerto que marca. Ver um dos mais incansáveis bateristas da actualidade, homem descrito por Mike como senhor de poucas palavras, mas o mais importante da noite, erguido em braços no meio do público é uma experiência perto do religioso, não fosse a imagética do momento evocar o próprio messias a caminhar sobre água. O mar é de pessoas e a mensagem do Senhor um bocadinho mais hardrock, mas é quase o mesmo.

Se há ritual a repetir, é este.

Galeria


(Fotos por Hugo Rodrigues)

sobre o autor

Jorge De Almeida

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