Reportagem


...And You Will Know Us by the Trail of Dead

Volta triunfal dos campeões da edição de 2018.

Vodafone Paredes de Coura

17/08/2018


© Hugo Lima

Poderíamos resumir o concerto dos …And You Will Know Us By The Trail of Dead (doravante, Trail of Dead) nesta edição do festival com um simples: JARDA. Contudo, tal não faria qualquer justiça ao que se passou entre as 22h20 e as 23h25, no palco secundário do certame. Não foi o maior concerto (conferir esse aqui), mas foi o campeão dos campeões, no ouvir e ver deste escriba.

Os Trail of Dead não passavam por cá precisamente desde a edição de Paredes de Coura de 2011, na qual acabariam por tocar ainda de tarde e no palco principal, dando um concerto que percorreu parte da obra editada até aí, com uma brevíssima passagem pela sua magnum opus, Source Tags & Codes (com It Was There That I Saw You); no ano em que passam dezasseis anos desde a edição desse álbum monumental (e fundamental), a banda de Conrad Keely e Jason Reece em boa hora regressou. Nesse mesmo concerto, a concentração de grandes por metro quadrado de mosh pit era tal que poucas vezes se tornou a repetir –não obstante um deles, volta e meia, rasgar as calças nos pits.

A média de idades no palco secundário subiu e era palpável a expectativa; sabia-se que o que aí vinha era de estoiro e rapidamente as redondezas daquele se encheram de gente em busca do poderio da banda de Austin. Fãs de post-rock, post-metal, de rock alternativo em geral, de noise, de punk e tudo o que de relevante tenha sido feito com guitarras ouviram uma Invocation pré-gravada a passar no PA anunciando a onda que aí vinha: uma interpretação de Source Tags & Codes y algo más se houvesse tempo – já confirmada nos mentideros de backstage e de rio.

It Was There That I Saw You encaixa naquilo que os bravos lá da frente pensavam sobre os concertos que já tinham visto da banda e quão bons foram para ficarem na memória. A toada dos próximos sessenta e cinco minutos foi mesmo esta: um ribombar a todos os títulos épico de guitarras e da bateria de Jason Reece.

Mal começam os primeiros acordes de Another Morning Stoner somos levados a 2002 e às emissões do saudoso Sol Música, canal no qual se conheceu a banda pela primeira vez, por entre salsa e flamenco. Honestamente, estamos perante uma das maiores canções rock do século, impecavelmente replicada em palco, com um volume que se deve esconder de um otorrinolaringologista. Are you asleep, are you in a dream? Um sonho noise, de facto.

Jason Reece, baterista que, para alguns, é clone de Sean Astin, trocou com Conrad Keely e veio tocar guitarra e berrar monumentos como Homage e Days of Being Wild, em novo título apropriado para o que se passava à frente do palco. Afinal ainda havia gente que conhecia a banda de coração.

Keely e Reece, membros fundadores e mais antigos, sobriamente equipados de preto, são coadjuvados por Autry Fullbright (que já cá tinha estado em 2011 e ficado a deambular pelo recinto para ver Battles e Deerhunter, segundo nos confidenciou) e Aaron Blount, o músculo do baixo e de uma segunda guitarra, que havia texturas para nos esfregar vigorosamente nos ouvidos. E porque Neil Busch há muito que saiu do grupo.

No comparativo com edições anteriores, a banda de porrada de 2018 em nada ficou a dever aos concertos de No Age (2011), Yuck (2014), Thee Oh Sees (2014 e 2016) e, sobretudo, de Lightning Bolt no ano passado (a nosso ver campeões da edição, ex-aequo com BadBadNotGood). Estamos em presença de um conjunto que foi quase sempre grande ao vivo, cuja obra tem raros tiros ao lado e que tocou o seu disco mais emblemático nas margens do Coura, com um vigor tremendo.

Pouco interessa como reagiu boa parte do público; a ignorância é deles e quem interessa comemorou o melhor concerto desta edição, seja no pit, nas grades, no crowdsurf ou simplesmente sorrindo e cantando as letras, como se assistiu. Uma confirmação de prestígio, que em muito enriqueceu o cartaz.

Como ficar indiferente ao demolidor abismo e subsequente crescendo de How Near How Far e não apontar às telas do tempo, como reza a letra? Como não reagir à relativa calmaria de Relative Ways, num disco em forma de vagalhão, que ora nos embala, ora nos espanca com a sua agressividade?

Concluiu-se o alinhamento principal com a canção homónima, regressando a banda para um inédito encore de duas canções. Hora de partir pescoços com a arrasadora e varonil Will You Smile Again?, que nada mal figuraria no disco acabadinho de ser tocado, terminando-se (ah, tanto mar havia ainda por percorrer) com material de Madonna, o igualmente excepcional segundo álbum da banda, de 1999.

Da nossa parte e salvo o devido respeito pelas demais propostas da edição de 2018 de Paredes de Coura, era fechar o festival logo ali, que estava encontrado o campeão. Para este escriba, nenhuma outra actuação seria como aquela suada viagem por um disco magnífico, com dois apêndices sonoros de igual força – tudo autoria de uma banda que continua no seu prime e com integridade intacta.

Será que voltaremos a sorrir com os Trail of Dead em solo Pátrio? Oxalá que sim, seja no palco secundário à noite ou ainda de dia no principal, em tons de cobre.


sobre o autor

José V. Raposo

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