Un_Love é o álbum de estreia de MIRANDA e desenvolve-se a partir de uma questão essencial: é possível desamar ou apenas perder um amor? O título abre essa dupla leitura – UnLove como verbo, o ato (quase impossível) de deixar de amar; e Un Love como substantivo, significando um amor concreto, presente e vivido, mesmo que marcado pela ausência ou pela distância. Essa ambiguidade percorre todo o disco de MIRANDA, feito de canções que se movem entre a dor do desencontro e a esperança luminosa do reencontro, mostrando que a melancolia pode conviver com a persistência e a beleza do amor.

Mais do que um lamento, Un_Love assume a melancolia como um estado de alma, um fado contemporâneo em que a perda não apaga o sentimento, antes o transforma numa presença diferente: a memória, a saudade, a persistência do amor mesmo nas ruínas. Mas ao mesmo tempo, o álbum abre espaço para a esperança de voltar a amar — seja reencontrando o amor perdido, seja descobrindo um novo caminho onde a dor se converte em renovação.

Musicalmente, o álbum veste estas emoções com orquestrações grandiosas, atmosferas cinematográficas e vozes sensíveis que dão corpo a essa contradição. Porque, no fundo, desamar pode ser impossível – podemos deixar alguém, mas raramente deixamos de carregar o rasto desse amor, e é dessa marca que também nasce a coragem de amar novamente.

#1 A New Beginning

“A New Beginning” abre o álbum com uma mensagem de união, esperança e reconstrução. É uma canção sobre a necessidade de recomeçar — não apenas individualmente, mas como humanidade. Entre imagens de luz e sombra, de cor e divisão, o narrador convida-nos a “reescrever o destino” e a romper as barreiras que nos separam. O tema fala do poder da empatia, da força que nasce quando duas pessoas escolhem caminhar juntas, mesmo em tempos de incerteza. Há uma pureza quase espiritual neste desejo de conexão, uma fé na capacidade do amor de restaurar o que foi quebrado. Musicalmente e liricamente, é uma celebração do renascimento — uma promessa de que, apesar da dor, o mundo pode sempre começar de novo.

#2 Dreaming

“Dreaming” é uma canção profundamente pessoal — uma reflexão sobre uma relação vivida com alguém emocionalmente distante, frio e incapaz de ver a beleza e a profundidade do mundo. É o relato de um amor que existiu à superfície, onde o eu lírico tentava mergulhar enquanto o outro permanecia imóvel, alheio à intensidade do sentimento. A letra traduz esse contraste entre o sonho e a realidade, entre quem sente demais e quem não sente o suficiente. “Life is on the surface of matter” é uma das frases que melhor expõe essa frustração: a vida como algo raso, sem alma, sem cor. Ainda assim, há um desejo de transcendência — o impulso de “voar” e encontrar, através do amor, algo que vá além do banal. “Dreaming” é o lamento de quem quis partilhar o infinito com alguém que só via o chão. É uma canção sobre a solidão que nasce mesmo dentro de um abraço, sobre a dor de perceber que nem todos têm a mesma capacidade de se maravilhar. No fim, resta o sonho — não como fuga, mas como resistência: a vontade de continuar a sentir, mesmo quando o outro já não consegue.

#3 Happiness

“Happiness” foi o primeiro tema de MIRANDA a ser lançado e marcou o nascimento do universo sonoro do projeto. Nesta faixa, João explorou pela primeira vez arranjos orquestrais e percussões sinfónicas que, aliados à emoção melódica e à densidade harmónica, definiriam a estética de grande parte do álbum. É uma música que respira em camadas — entre a força épica da orquestra e a intimidade das guitarras e vozes. Um dos elementos mais marcantes é o som de uma Fender Stratocaster, envolta em reverb e moldada pelo uso do braço de tremolo, criando uma textura flutuante e quase líquida. Esse timbre dá à canção um carácter hipnótico, entre o sonho e a confissão, acentuando o dramatismo dos arranjos e a profundidade da interpretação. Liricamente, “Happiness” é um retrato da contradição humana entre o desejo e a perda. “Happiness has never been my greatest hit” resume a ironia e o desalento do eu lírico, que reconhece a impossibilidade de alcançar a plenitude no amor. É uma meditação sobre a fragilidade da felicidade e o fascínio de quem continua a procurá-la, mesmo sabendo que ela se esvai. Com esta canção, João encontrou a essência de MIRANDA: a fusão entre o íntimo e o monumental, entre o humano e o celestial. “Happiness” é uma balada trágica e grandiosa, onde a orquestra, a guitarra e o silêncio se unem para revelar o som e a alma de um novo começo.

#4 I Wish

“I Wish” é talvez a canção mais intensamente poética e emocional do álbum. Aqui, o amor surge como tempestade, como força descontrolada que destrói e recria. A linguagem é simbólica e cheia de metáforas — o “tapeçário tecido para os pés” e o “furacão sobre mim” são imagens de entrega total, de devoção que roça a perdição. É um poema sobre o desejo e a vulnerabilidade, sobre o impulso de querer ser tocado por algo maior do que nós. Ao mesmo tempo, é uma reflexão sobre o tempo, o esquecimento e a solidão. A voz do narrador oscila entre o lamento e o encantamento, entre o querer e o não poder. “I Wish” é, acima de tudo, sobre o poder do amor como criação: uma força que, mesmo imperfeita e efémera, dá forma àquilo que somos.

#5 Often a Bird

“Often a Bird” é uma das peças mais simbólicas do disco, um hino à esperança que renasce das cinzas. A figura do pássaro, que “se ergue do fumo” e “corre livre pelo céu”, representa a alma que encontra leveza após o sofrimento. A canção fala de resistência e de transformação — de como, mesmo entre o cansaço e a desilusão, ainda é possível acreditar. O pássaro torna-se metáfora da arte, da memória e da própria vida, que insiste em voar quando tudo parece perdido. Com um tom sonhador e uma melodia quase cinematográfica, “Often a Bird” é um lembrete de que a beleza pode surgir dos escombros, e que o simples ato de sonhar já é um gesto de liberdade.

#6 Save Your Soul

“Save Your Soul” é a música outsider do álbum — uma peça singular, solene e profundamente simbólica. A sua cadência lenta, quase de marcha fúnebre, cria uma atmosfera densa e ritualística, como se cada batida fosse um passo em direção à transcendência. No entanto, por baixo dessa solenidade, pulsa uma chama de esperança: a canção fala da possibilidade de renascer, de libertar o espírito, de “salvar a alma” mesmo quando tudo parece perdido. Um dos elementos mais marcantes é a inclusão de excerto de áudio do lançamento do Apollo 11 — o som real da contagem decrescente e da partida para o espaço. Essa escolha transforma a música numa metáfora cósmica para a ascensão espiritual: o momento em que o ser humano deixa a Terra e, simbolicamente, se aproxima do divino. O lançamento do foguete é aqui o gesto de libertação — a alma a descolar em direção à luz. Musicalmente, “Save Your Soul” combina camadas de sintetizadores etéreos, harmonias vocais quase litúrgicas e uma base rítmica pesada, com ecos de procissão e de eternidade. A sensação é de movimento lento, inevitável, como uma caminhada entre o corpo e o infinito. A voz repete a pergunta — “Would you like to save your soul?” — não como uma imposição, mas como um convite íntimo. A viagem que se ouve é tanto física quanto espiritual: é o ser humano a procurar o sentido da sua própria existência através do som, da fé e da imaginação. Dentro do álbum, “Save Your Soul” ergue-se como um momento de suspensão — uma ponte entre a escuridão e a redenção. Uma marcha fúnebre que aponta para o céu, onde o fim é apenas o início de uma nova forma de vida.

#7 Tear Us Apart

“Tear Us Apart” mergulha nas ruínas do amor. É uma canção sobre o fim e sobre a dor que fica quando as palavras deixam de fazer sentido. O eu lírico fala de um relacionamento corroído pelo silêncio e pelo jogo emocional, onde o amor se transforma num campo de batalha. O refrão — “My pain tear us apart” — é repetido como uma confissão e uma sentença. É o reconhecimento de que a dor não é apenas consequência do amor, mas parte integrante dele. A estrutura repetitiva da música reforça a ideia de ciclo: o fim que nunca termina, a ferida que nunca cura. “Tear Us Apart” é dura, visceral e honesta — um retrato cru da separação e da impossibilidade de esquecer.

#8 When the Night Comes

“When the Night Comes” foi a primeira canção de MIRANDA, e nasceu da simplicidade pura de umas notas arpejadas numa guitarra acústica. Esse instante — uma melodia solitária a ganhar forma no silêncio — deu origem não apenas a uma música, mas a todo um universo emocional. A partir desse arpejo nasceu uma história, uma voz e uma identidade. A letra é um lamento e uma oração, um diálogo entre a dor e a memória. Fala de perda, de amor distante, de uma procura espiritual que se estende pela noite. O narrador vagueia por florestas e colinas, entre ecos e sombras, tentando reencontrar a figura amada — que se tornou símbolo de tudo o que se perde mas continua a viver dentro de nós. “As árvores falam comigo” e “a floresta salva a minha mente” são imagens de consolo e transcendência, onde a natureza se transforma em espelho da alma. É uma música de esperança discreta, quase secreta, que nos lembra que mesmo na escuridão existe uma linguagem antiga, feita de vento, folhas e memórias. “When the Night Comes” não é apenas uma canção: é o ponto de partida de MIRANDA. Uma semente plantada na calma da noite, onde o som de uma guitarra revelou o caminho — um som que viria a transformar-se em identidade, em jornada e em arte.


Partilha com os teus amigos