Horace and Pete, ou Louis C.K. no seu melhor

por Edite Queiroz em 10 Maio, 2016

Algumas questões prévias: Para além de argumentista, realizador e produtor, Louis C.K. é um dos mais proeminentes humoristas americanos. À semelhança de Jerry Seinfeld, é autor e protagonista de uma série televisiva com o seu nome – a premiada Louie, que conta já com cinco temporadas. O seu tipo de humor, muitas vezes descrito como politicamente incorrecto, mas sobretudo muito dramático e auto-depreciativo, é uma assinatura que o distancia de outros nomes do humorismo mundial (não apenas de Seinfeld, mas de Chris Rock ou Ricky Gervais). Louie é um claro exemplo disso, a começar pelos créditos iniciais, onde o vemos a caminhar pelas ruas de Nova Iorque, com uma indumentária descuidada e um semblante desconsolado, passando por um café para morder uma fatia de pizza para depois descer as escadas para a cave do clube onde actua como stand-up comedian – tudo isto ao som de um estranho tema musical: Louie Louie Louie Louie/ Louie Louie you’re gonna die.

Mais recentemente, Louis C.K. lançou na sua página pessoal na Internet uma outra série da sua autoria. Com um elenco fabuloso (o próprio CK, Steve Buscemi, Edie Falco, Alan Alda, e Jessica Lange), Horace and Pete, que conta a história de dois primos (que na verdade são irmãos) que partilham a gerência de um bar familiar centenário. Horace and Pete refere-se ao bar e aos dois irmãos que o geram, Horace (CK) e Pete (Steve Buscemi). Eles são os oitavos Horace e Pete a dirigir o estabelecimento (propriedade da família desde o início do século passado), embora no bar trabalhe ainda o irrascível tio Pete (Alan Alda), que os trata como verdadeiros imbecis. Horace não retira qualquer prazer da gestão do bar, mas também não parece interessado em fazer qualquer outra coisa. Fá-lo para acompanhar o irmão (há anos diagnosticado com uma grave doença mental) e preencher uma vida vazia, com uma relação muito difícil com os filhos (que se afastaram depois de um divórcio complicado) e uma irmã Sylvia (Edie Falco) que os pressiona para dissolver o negócio. O ambiente é sombrio e de tensão, mas os dramas pessoais são tão angustiantes e por vezes tão inusitados que o riso acaba por ser a resposta mais simples ao desconforto que provocam. O argumento leva mais longe as características de ironia, autocrítica e autoexposição presentes em Louie, ainda que este seja assumidamente um trabalho de ficção (não que Louie não o fosse, mas as fronteiras eram necessariamente mais fluídas). Há elementos que se repetem (a introversão, a cobardia, a apatia, a dificuldade de relação com o sexo oposto e sobretudo a solidão), mas aprofundam a reflexão sobre a América dos nossos dias, a decadência dos valores tradicionais da classe média americana, o choque de gerações e a transformação dos papéis de género.

Horace and Pete recupera, no formato, uma tradição de teatro filmado há muito ultrapassada nos circuitos televisivos (e que nunca foi particularmente popular nos Estados Unidos): uma mise-en-scène muito simples (a acção decorre exclusivamente no bar semi decadente que sabemos situar-se em Brooklyn ou no pequeno apartamento no primeiro andar), ausência de banda-sonora, uma encenação de longos monólogos, duos ou trios de actores e algum improviso, uma história muito simples que parece não ter por onde se desenvolver, centrada no drama dos protagonistas e ilustrada pelas histórias que despontam das figuras que vão passando pelo balcão do bar. Seria interessante questionar um público desconhecedor do anterior trabalho de Louis C.K. sobre o género em que se inscreve este produto. Diria estarmos perante uma comédia? Na era dos argumentos rocambolescos, dos orçamentos astronómicos e dos efeitos especiais, em que parece que já quase tudo se fez em televisão, Horace and Pete devolve o papel central à interpretação e ao texto, os dois pilares fundamentais da boa ficção. Na verdade, não é preciso mais nada. É um produto brilhante e inovador e um dos textos mais bem escritos da história televisiva.


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Edite Queiroz

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