Reportagem


Vodafone Paredes de Coura – 1º dia

Há duas razões fundamentais para vir este ano a Paredes de Coura. Uma é o aguardadíssimo regresso dos LCD Soundsystem. A outra é o próprio ambiente.

17/08/2016


© Hugo Lima | www.facebook.com/hugolimaphotography | www.hugolima.com

Há duas razões fundamentais para vir este ano a Paredes de Coura. Uma é o aguardadíssimo regresso dos LCD Soundsystem. A outra é, enfim, o ambiente de Coura. E isso diz muito do que é o cartaz ou do que ele não é. Tempo e tempo à espera de mais nomes fortes, até se perceber que eles não iam aparecer. Fragilidades ampliadas pelo cancelamento, por doença, de Sharon Jones. Basta comparar com o ano passado, que teve Tame Impala, Father John Misty, Charles Bradley, War On Drugs, TV On The Radio, Ratatat ou Lykke Li, para se perceber como o cartaz deste ano é pobre.

Mas, enfim, concentremo-nos no que há. E, havendo menos motivos de interesse musicais, dá para sentir mais o rio, a vila, o espírito e a enorme simpatia da organização. Entre o atraso na viagem, o sempre saudoso acolhimento num ambiente que já é um pouco de cada um de nós e o desânimo de muitos pelos ecos vindos do Estádio do Dragão, perdemos as primeiras bandas. Muita pena por não ter visto o projecto tão estimável dos We Trust com os Coura All Stars, ou seja, cidadãos courenses que deram o passo em frente na mistura saudável entre o festival e a vila minhota. Sinergias, dirão alguns. Preferimos chamar-lhe cumplicidade. Descemos para o recinto quando se ouvem, em fundo, as últimas notas da electro-pop festiva dos Best Youth. E encerraram com material alheio, com uma cover de My Moon My Man, de Feist.

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Seguem-se os Minor Victories e há pouco público para os ver. São 22:45h e, nas zonas laterais da mesa de som, ainda há muitas clareiras. Talvez muitos não saibam, mas estamos perante uma super-banda britânica, com elementos de Slowdive, Mogwai e Editors. Andam entre o ruído shoegaze, as ambiências cinemáticas do pós-rock (com voz) e tonalidades etéreas, em particular quando os teclados têm uma presença mais notória. Tudo conectado pela voz melodiosa de Rachel Goswell. Não tiveram temas de encher o ouvido, não deslumbraram, nem entusiasmaram, mas deram um concerto muito simpático. E, seguramente, não mereciam ouvir, perto do palco, um conjunto de jovens aos berros, num português que seguramente não entendem, implorando por ácidos / LSD. Nem de propósito, terminaram de forma gloriosa, fora de palco, com loops de samples numa autêntica viagem alucinogénica.

Anfiteatro muito preenchido para ouvir os cabeças-de-cartaz, os Unknown Mortal Orchestra. Ruban Nielsen desafina muitíssimo. Não tivemos quaisquer dúvidas disso quando vimos a banda australiana no palco secundário de Coura, em 2013. Mas, na altura, nem por isso deixou de ser um óptimo concerto. Só que as falhas vocais sentem-se agora de forma muito mais vincada, curiosamente pela tentativa de as disfarçar. A voz aparece cheia de efeitos, sem graves, com uma artificialidade que, por vezes (talvez devido a algumas falhas técnicas), quase soa a playback. Ouvimos dizer que “é uma fantochada”, mas isso é seguramente excessivo. E isso acaba por perturbar um concerto de uma banda que aparece mais rotinada, com mais efeitos de luz e uma noção mais forte de espectáculo. Do ponto-de-vista instrumental, têm arranjos mais longos, alternâncias deliciosas de ritmo ou uma interacção equilibrada com o público. Ouça-se, por exemplo, o extraordinário arranque de teclado de “Ffunny Ffriends”, a plateia rendida em “Multi-Love” ou o psicadelismo veraneante de “Swim and Sleep”. Fecham com o viciante “Can’t Keep Checking My Phone” e, de repente, sem nenhum sentido, a plateia começa a entoar “Seven Nation Army” ou a cantar “E foi o Éder que os fodeu”. Éder pode ser o maior, mas o Euro já lá vai há mais de um mês e nós não estamos no Sudoeste. E, por coincidência ou talvez não, não houve encore dos Unknown Mortal Orchestra.

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O primeiro dia de festival terminou com música portuguesa. E terminou da melhor maneira, com os Orelha Negra. Seja ou não pelas contingências do cartaz, é bom ver, em grandes festivais, bandas nacionais em horários mais decentes. Especialmente quando têm esta qualidade. Entre o hip-hop, a funk, a soul ou o r’n’b’ fazem, na parte instrumental, uma súmula daquilo que se convenciou chamar de música negra. Há produção própria, como o viciante “Throwback” ou o mais emotivo “Since You Been Gone”. Com vozes gravadas, mas com uns efeitos bem medidos, que lhes dão um tom mais natural e orgânico do que a que ouvimos antes nos Unknown Mortal Orchestra. Mas pegam também em vários samples, entre o mestre do jazz etíope Mulatu Astatke aos portugueses Mind Da Gap, passando pelo inevitável “Hotline Bling”, de Drake. Tudo quase sem pausas, sem momentos para arrefecer e interpretado por excelentes músicos. Ao nosso lado, há quem diga, em reacção a danças inebriantes: “isto não é curtição, é droga”. Com ou sem ela, um fecho quente de uma noite fria (meteorologicamente falando) em Paredes de Coura.


sobre o autor

Joao Torgal

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