Reportagem


Sum 41 + Paerish

Banda e público - foi tudo o que poderíamos ter esperado há 10 anos atrás.

Coliseu dos Recreios

20/01/2017


Comecei a ouvir Sum 41 antes de iniciar o ensino secundário. Estávamos em 2004, e naquele verão ouvíamos muito Offspring, Blink 182 e Yellowcard. Todos tinham álbuns lançados em 2003, e os Good Charlotte e os Bowling for Soup haviam de lançar um álbum naquele mesmo ano, de que data também o American Idiot dos Green Day e aquele que provavelmente é o álbum mais significativo dos Sum 41 (não por ter os singles mais famosos, mas por ter sido largamente inspirado pela viagem da banda à tumultuosa República Democrática do Congo com a War Child Canada), Chuck. Os Offspring e os Green Day tinham sido mais ou menos respeitados embora já não fizessem tanto sucesso entre o público inicial, que agora era adulto e estava a ser substituído por nós – as outras bandas acho que eram universalmente consideradas “de putos”, ou não estivesse o punk rock tão associado à rebeldia adolescente.

Nos primeiros meses na secundária, gravaram-me o All Killer, No Filler (2001), primeiro álbum de estúdio dos Sum 41. Sei o poema de “Introduction to Destruction” de cor desde essa altura, e adorava a tragédia musicada de “Handle This”. A “Into Deep” já musicava o American Pie 2 desde 2001 e, em 2004, o Cheaper by the Dozen. Nada relacionado, mas ilustrando o contexto, 2004 foi também o ano do filme Eurotrip e do clássico “Scotty Doesn’t Know” escrito de propósito para o filme pelos americanos Lustra (que no filme aparecem liderados por um Matt Damon quase irreconhecível). Assumo que deva agradecer a alguém por não ter contactado com isto tudo exactamente na mesma altura, but it all adds up.

Calças largas, tops justos, risco ao lado e franja presa com ganchinhos, qual Avril Lavigne. Cintos de taxas que prendíamos nas Eastpak cheias de pins, e as pulseiras com picos. Alguns anos depois (mais de 10), cá estava eu, a caminho dos 30, no Coliseu, para ver Sum 41, de camisa e calças de fato, directa do escritório, depois de uma semana de trabalho. Sem dúvida que fomos substituídos e já mais que uma vez: a sala compôs-se principalmente de adolescentes, entre o secundário e a faculdade. Alguns saudosistas (presente!), alguns pais, mas essencialmente miúdos, e – muitos – rapazes. As gerações renovam-se e aparentemente também o público do pop-punk/punk-rock. Hashtag: punk’ not dead.

Ainda com a cortina descida e aquela que parecia uma versão mais apertada do Coliseu, abriam os Paerish, um pouco em jeito de banda no baile de finalistas a tocar no pavilhão de ginástica. Franceses filhos dos 90, os Paerish são eles próprios bastante jovens. Dizem que o primeiro concerto a que foram foi de Sum 41 e não só se manifestaram contentes como gratos por estarem a abrir para eles nesta tour europeia. Embora não tenha sido um concerto impressionante (luzes ainda meio acesas, o som a diluir-se na confusão do pessoal a entrar, a ir buscar cerveja, a ligar ao amigo que ainda não chegou, etc., e um momento estranho em que nos dizem que somos muito melhor público que Espanha quando as poucas pessoas que já se encontravam na sala não estavam especialmente enlouquecidas com o concerto), o bandcamp dos Paerish merece em absoluto a visita, e se quiserem saber mais sobre a banda, eu gostei especialmente desta entrevista.

Nota para o intervalo entre a abertura de Paerish e a entrada de Sum 41 em palco e para a playlist de espera: Ramones, Green Day, Linkin Park, e a plateia a fazer headbanging sincronizado. Murros no ar, “i’m one step closer to the edge/and i’m about to break!” e, apercebendo-se do que estava acontecer na sala, alguém decidiu elevar o som das colunas, conduzindo a um apoteótico “Chop Suey” em coro quase militar. No fundo isto era o início da festa e o verdadeiro prenúncio do que viria a ser o espírito do concerto. As luzes apagam-se, a cortina sobe e toca o início de “O Fortuna” de Carmina Burana, o tal “Introduction to Destruction” (check.), e um medley que inclui rock, hip-hop, James Brown e um jogo de luzes psicadélico.

Tudo para introduzir “Murder of Crows (You’re All Dead to Me)” com algum suspanse, incríveis ejectores verticais de fumo, e sonorizar a entrada da banda em palco com a faixa simpaticamente baptizada que abre o sexto álbum de estúdio da banda, 13 Voices, lançado no ano passado e que dá pretexto a esta “Don’t Call it a Sum-Back Tour”. Deryck Whibley cumprimenta o público e segue-se “Fake My Own Death” – convém lembrar que este álbum de regresso da banda é uma espécie de produto final dos últimos e complicados anos do canadiano, entre o divórcio de Avril Lavigne, um ataque no Japão que lhe deslocou um disco da coluna e inibiu de tocar, e os problemas com o álcool).

Everybody’s got their problems / Everybody says the same things to you / It’s just a matter how you solve them / And knowing how to change the things you’ve been through / I feel I’ve come to realize / How fast life can be compromised

Regresso a 2003 para dois temas de Does This Look Infected?: “The Hell Song” e “Over My Head (Better Off Dead)”. Sim, há um padrão. Mas a celebração é a própria digressão, o contacto com os fãs e a performance da banda. Whibley é incrível na interacção com o público. Não demorou muito mais a selecionar uns tantos jovens do público para irem ao palco (onde ficaram de pé, a dançar até ao final), introduz as músicas novas, conta histórias e agradece ao público por tornar possíveis estes 20 anos de banda, a nossa presença, passados tantos anos. O público grita pela banda em uníssimo e Whibley responde com um beijinho. Faz o levantamento de quem já os viu antes (muitos) e de quem está ali pela primeira vez (muito mais). Em “Goddam I’m Dead Again” (13 Voices) mostra que está em forma na guitarra. Dois singles de álbuns homónimos, “Underclass Hero” (2007) e “Screaming Bloody Murder” (2001) e faz parecer que voltámos atrás no tempo e rejuvenesceu: entre tantos saltos, só não se aventurou no crowdsurfing (mas conseguíamos ver os seguranças no fosso, incansáveis a segurarem quem do público o tentava e chegava ao fim).

I’m not quite myself these days / Guess we all come undone time to time in different ways / Well, I have myself to blame. / Guess I don’t understand, I need help in many ways.

God’s got a plan for me / Well, I’m gonna tell you one thing: / I don’t got the patience or the time! / What can I say? / I’m no angel, / I’m not forsaken, / But I can bleed!

Whibley gaba os talentos dos colegas da banda, que já sofreu diversas vicissitudes na sua composição, ao longo dos anos, mas que agora conta com mais dois membros da formação mais antiga, Dave Baksh e Jason McCaslin. Introduz “War”, o primeiro single do novo álbum, que diz ser sobre a família, a família Sum 41, e nós, motherfuckers, que o ajudámos a ultrapassar as cenas e o trouxemos de novo aos palcos. Faz-se uma espécie de fim de primeiro acto com o clássico “Motivation” a fechar a primeira quase dúzia de canções e o público em coro.

Grab the Devil by the Horns and Fuck Him Up the Ass” é um nome comprido e uma música de um álbum de actuações ao vivo da banda, Go Chuck Yourself (2005) e contém um excerto de Crazy Train de Ozzy Osbourne. Enquanto tocava, enche-se automaticamente um insuflável gigante no palco de um diabo a fazer piretes. Eu sei, rolamos todos os olhos, mas a verdade é que estávamos demasiado lançados para objectar. Ainda aí viriam “We’re All to Blame”, “Walking Disaster” e “Makes no Difference”. Pelo meio, Whibley lança acenos e beijos em todas as direcções, chama-nos “beautiful motherfuckers”, são lançados balões e bolas gigantes para o público, e em “With Me”, tal como a como a canção pede, Whibley aparece no meio do público, que – convenhamos – também foi bastante dedicado em coros, mãos no ar, lanternas de telemóvel e um mosh saudável “Let’s keep this thing moving”-, haveria Whibley de pedir – “I though you motherfuckers might be tired but you’re still moving. And you’re still loud!”. Temos ainda direito a um solo de bateria de Frank Zummo no momento Whiplash da noite, uma cover de “We Will Rock” dos Queen, e os imprescindíveis “Still Waiting” e “Into Deep” a fechar em festa com o coro do público a sobrepor-se, e a plateia em ondas.

Claro que Whibley haveria de voltar ao palco para um encore, sentado ao piano, falando-nos de uma “Reason to Believe” (haja uma), embora a “Pieces” não tenha corrido maravilhosamente (uma guitarra mal afinada ou uma coluna com problemas, não percebi) e isso até fosse importante. “Welcome to Hell” (ele insiste, mas até tem razão) e o festivo “Fatlip” a terminar o primeiro encore – se considerarmos que o facto de a banda ter voltado ao palco com perucas, como costuma fazer, para manter vivo o alter-ego “Pain for Pleasure” se qualifica como segundo encore.

Banda e público – foi tudo o que poderíamos ter esperado há 10 anos atrás, e mais que bastante para nos aquecer o coração, fazer esboçar um sorriso e queimar calorias. 10 anos depois, já adultos cinzentões e parte do sistema. Fuck that.


sobre o autor

Ines Cisneiros

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