Reportagem


Red Hot Chili Peppers

Nunca estaremos velhos para isto

Super Bock Super Rock

13/07/2017


© Steve Keros

Os Red Hot Chili Peppers deram ontem, por fim, aquele que era um dos concertos mais antecipados do ano, se considerarmos que os bilhetes para o primeiro dia do Super Bock Super Rock esgotaram logo por altura do Natal, quando foram anunciados como cabeças de cartaz no outono passado, e também a julgar pelas muitas t-shirts da banda californiana, que se multiplicavam pelo recinto desde cedo.

A excitação era palpável na tarde quente, contagiando-nos a todos, até a Kevin Morby que, em concerto horas antes, recordava “space may be the final frontier but it’s made in a Hollywood basement” –  “Californication”, esse sonho americano envenenado, que seria mais tarde celebrado pelas mil vozes que se juntaram à de Anthony Kiedis, na lotada MEO Arena.

Os Red Hot Chili Peppers têm aquela familiaridade própria de quem faz música há tanto tempo que parece que sempre fizeram parte da nossa vida. Mas eis, então, que paramos para fazer contas e levamos um susto, é que já lá vão perto de quatro décadas desde que Flea e Anthony começaram a destruir Los Angeles, com o seu funk-rock-punk. A sério que passou tanto tempo assim? É que desde que virámos o milénio com a ajuda de Californication, possivelmente o álbum mais bem sucedido dos Red Hot Chili Peppers, que deixávamos de fazer contas aos anos, porque, se o fizermos, até parece que estamos velhos e, depois da noite de ontem, sabemos que nunca estaremos velhos para isto.

Flea, Chad Smith e Josh Klinghoffer abrem a noite com um instrumental cheio de groove, mas é quando os instrumentos se alinham com a voz sincopada de Anthony Kiedis, para a incendiária “Can’t Stop”, que o público estoura em delírio. Tudo é motivo de gritos, até por cada vez que Chad faz rodopiar baquetas no ar entre batidas. Estava dado o mote para uma noite que se adivinhava louca, mas que os Red Hot Chili Peppers acabariam por temperar, intercalando com vários êxitos seus menos explosivos, como “Snow (Hey Oh)” ou “Soul to Squeeze”.

Pelo meio, também muitas batalhas entre o baixo de Flea e a guitarra de Josh, onde não houve vencidos nem vencedores – mas, quer dizer, todos ouviram aquele baixo na “Nobody Weird Like Me”, certo? A todos os que ao longo dos anos sempre desvalorizaram os Red Hot Chili Peppers, não os considerando uma banda séria (mas alguém lê a Pitchfork?) e até aqueles que os odeiam (olá, Mike Patton), a todos vocês, os vossos argumentos caem por terra assim que Flea pega no baixo. Não há outro baixista assim, muito menos um com molas nos pés e aquele cabelo leopardo.

O que também há pouco por aí são vocalistas capazes de aos seus cinquentas e tais enfrentar uma plateia de 20 000 pessoas em tronco nu com a rebeldia de um miúdo adolescente – só lhe faltava um skate nos pés e umas esfoladelas nos cotovelos. Kiedis pode não ser o frontman mais comunicativo, mas o que esconde nas parcas palavras, compensa em atitude, nas muitas correrias por palco e na indolência com que canta coisas como “hit me you can’t hurt me suck my kiss”. As intervenções para com o público partem quase sempre de Flea que ontem, ora nos falou de como o ácido lhe estava a começar a bater, ora nos agradeceu muitas vezes por estarmos ali, despedindo-se com desejos de “peace and love”.

No fim de perto de hora e meia de concerto e já depois de um encore sofrido e com algum suspense – aquele senhor que se atreveu a entrar no palco para enrolar um cabo arriscou a vida para a turba de gente que seguramente o iria engolir caso os Red Hot Chili Peppers não regressassem para mais um par de músicas -, sentia-se à saída da MEO Arena algum desalento por todas as músicas que ficaram de fora e que nos pareciam obrigatórias. Como “Scar Tissue”, “Under The Bridge” ou “Around The World”, para enumerar apenas algumas das mais flagrantes. E nem podemos culpar o recente The Getaway de ter dominado a setlist, pois só se fizeram ouvir três músicas do novo álbum que, se alguma culpa tem, é apenas a de ter deixado Rick Rubin fora da equação.

Com tudo isto não queremos dizer que tenhamos assistido a um mau concerto, bem pelo contrário. O problema é que pior do que ter fome, é deixar a fome meio saciada. A melhor maneira que podemos resumir a noite de ontem é pelas palavras de um rapaz que à saída ao nosso lado, quando um amigo lhe perguntou o que tinha achado do concerto, encolheu os ombros e disse “soube a pouco”.


sobre o autor

Vera Brito

Partilha com os teus amigos