Reportagem


Kelly Lee Owens

Kelly Lee Owens foi como muitas equipas: circulou a bola na primeira parte e goleou na segunda.

Praia Fluvial do Taboão

19/08/2022


© Hugo Lima - https://www.facebook.com/HugoLimaPhotography

Geralmente, à hora de jantar num festival de Verão não se coloca pedalada (salvo se se tratar do NeoPop) e quejandos. Daí a interrogação sobre se seria boa ideia agendar para as 21:45h um concerto de Kelly Lee Owens, produtora galesa que muito tem dado que falar nos últimos anos através de um caminho de identidade vincada.

Decerto que, para quem trabalhou como auxiliar num hospital de tratamento do cancro, isto não seria nada intimidante, pensámos. E tínhamos razão.

Sem peias, Owens entrou em palco envergando um capote com capuz que a tornava em Kelly Lee O)))wens – mas se se estava à espera de jarda, esta ficaria para a segunda parte da actuação. Tal como Arlo Parks antes de si, também Owens prestaria homenagem aos Radiohead, introduzindo-se ao público com a sua mistura de Weird Fishes/Arpeggi.

O seu lado mais pop veio de seguida com Keep Walking, à qual juntou a sua voz, convidativa ao sonho, posição reforçada em L.I.N.E., saída de Inner Song, um dos melhores álbuns de 2020. E é esta miscigenação entre techno (ou, no caso do seu último disco, LP.8, de ambient) e dream pop que começa a definir a identidade artística de Kelly Lee Owens.

Partindo de samples pré-definidos, Owens vai ajustando a maquinaria de acordo com o que vai sentindo. Ora sente que o público está consigo (em particular a massa humana entre as grades e a régie), ora fecha-se e só torna a soltar-se quando se prepara para lançar e desenvolver nova bombarda sobre a plateia.

Com Jeanette eclodiu a segunda parte do concerto, aquela que transforma o concerto de Kelly Lee Owens num dos melhores desta edição do festival e que é mais do que mera actuação, é uma performance – tal e qual as equipas que vão avaliando o adversário e circulando a bola na primeira parte e partem para a goleada das antigas na segunda. O pastiche dos samples de chiptune, a noite já cerrada e uma artista expressiva (minutos atrás de minutos aos saltos, agarrada às controladoras) contagiaram quem prestou atenção e sentiu que o momento era especial.

CBM foi um ICBM apontado ao anfiteatro natural da música, já On foi metade interlúdio de dubstep elegante, metade bota que tem pedal. Diz-se que os campeonatos se ganham em Agosto e nós dizemos que foi em malhas como estas que se ganhou lugar na História de Coura. Pelo menos na galeria do mosh já ficou Kelly Lee Owens consagrada, que nesta segunda parte levantou-se um pit capaz de fazer inveja ao de Ty Segall, o senhor que se seguiria.

Como em todas as grandes performances, o melhor ainda estava para vir. E a composição de fecho, Melt!, derreteu solas de sapatos e a convicção de que ainda era cedo para um espectáculo daqueles.

Numa performance que também contou com a certeiramente intitulada Night, conclui-se que foi não só uma noite para recordar, mas que também ficará no top desta edição. O difícil será mesmo voltar às versões de estúdio de Kelly Lee Owens.

 


sobre o autor

José V. Raposo

Partilha com os teus amigos