Reportagem


Jonathan Wilson

Cabe em si todo um cancioneiro norte-americano de décadas

Praia Fluvial do Taboão

16/08/2019


© Hugo Lima / Vodafone Paredes de Coura 2019

O nome Jonathan Wilson não dirá muito à plateia, mas a culpa não é dele. Tremendamente subvalorizado, é o autor de muita da magia das canções de Father John Misty (que seriam ouvidas ali mesmo daí a poucas horas) e de gente como Will Oldham e Erykah Badu. Para os mais velhinhos, é suficientemente bom guitarrista para tocar com Roger Waters – fazendo as vezes de David Gilmour – na sua mais recente digressão europeia (que passou por cá em 2018, de resto).

Com credenciais destas só podia ser um concerto de gabarito. Que de facto foi. Wilson apresenta-se com uma banda de luxo que conta com gente como Deantoni Parks, o mais recente baterista dos Mars Volta.

Logo em Trafalgar Square tomamos nota da versatilidade do som de Wilson: um misto de The Allman Brothers Band e Black Keys, mais do que Beatles e T-Rex. Mas a flexibilidade não se ficaria por aqui.

Uma maravilha apropriada para guiar nas nacionais à volta de Coura, Over the Midnight – rói-te de inveja, Adam Gradunciel. À moda de bom californiano de sessentas e setentas, Wilson canta que não quer medo, nem assassinos, nem armas. Jerry Garcia ficaria orgulhoso.

Mais orgulhoso ficaria com o magnífico desenvolvimento de Dear Friend. Um começo à Andy Williams dá lugar ao mais agitado Bob Seger e assim temos um pingue-pongue numa canção. O solo de estúdio transformar-se numa prova olímpica dos sete minutos wah-wah, de renovadas texturas e em jeito de jam. O sítio era convidativo: leve brisa, pessoas batendo o pezinho deitadas na relva e fitando o céu com a banda sonora ideal.

Com um refrão como o de There’s a Light só se pode atribuir a Wilson a medalha de prata nos concertos de fim de tarde. Poderia ser classificado como um Kurt Vile mais incisivo e menos slacker, mas tal seria redutor; move-se tanto em terrenos baladeiros ao piano onde Vile (e outros) não entra, mas também não vai ao surreal. Todo um cancioneiro norte-americano de décadas ali cabe.

De casaco florido, quase que directamente saído do cinquentenário de Woodstock, saca uma Desert Raven no verde courense. A banda está entrosada, tem poderio e diverte-se que nem uma Rolling Thunder Revue de 2019. Um mimo o solo de bateria de Deantoni Parks, cujos rolls nos timbalões foram buscar a outra parte do cancioneiro dos EUA: o do jazz, sobretudo de Tony Williams.

Actuação de grande craveira de um músico (e banda) que merece visto gold – até porque voltará cá no Festival Para Gente Sentada. Cheguem-se à frente, promotores.


sobre o autor

José V. Raposo

Partilha com os teus amigos