Reportagem


James

Booth sorri, simpático. Não está ali só a dar um espectáculo mas a conhecer o seu público.

MEO Arena

04/12/2016


As luzes apagaram-se e ficámos a olhar expectantes para o palco. Começa a tocar uma guitarra (quase) acústica, “Doctor, what is happening to me…?”, e o público vira-se para trás com a imagem de Tim Booth, no meio do público, a aparecer nos ecrãs da MEO Arena e a caminhar em direcção ao palco como quem sai da água.

Foi com “Just like Fred Astaire” (do oitavo álbum de estúdio da banda, Millionaires, de 1999) que a banda de Manchester abriu o concerto e uma setlist que parecia adaptada ao público português, bastante diferente dos alinhamentos dos espectáculos que a banda apresentou em várias datas pela Austrália no mês passado e, até agora, o mais preenchido da “Girl at the End of the World Tour”, homónima do álbum que lhe concede o pretexto, lançado em Março deste ano. Apesar de recente, “To My Surprise” arrancou logo palmas coordenadas do público, ainda fresco, e os “moves” dignos de Boom Fest de Tim Booth, na sua túnica branca com gola mandarim e calças étnicas largas, ou “à boca-de-sino”.

two shots more tequila / raise the flames to fever

“Curse, Curse” activa a circulação e, em “Ringing Bells” (Seven, 1992), surge logo oportunidade de estender o micro ao público que faz a festa em uníssono “Wooooohh..!”.

Booth sorri, simpático. Não está ali só a dar um espectáculo mas a conhecer o seu público. Faz aproximações em diversos pontos da plateia e, se faz crowdsurfing (e faz bastante) à direita, músicas depois fará também à esquerda, como que a tentar ser o mais equitativo possível na distribuição dos mimos. Até o trompetista haveria de vir a irromper numa das bancadas durante “Sound” (Seven, 1992), numa forma de dar atenção a quem estava mais distante.

Come, dip on in / Leave your bones, leave your skin / Leave your past, leave your craft / Leave your suffering heart

O vocalista olha o público “nos olhos” enquanto canta, literalmente, e mesmo que de passagem, fita ainda uns bons segundos quem tem à frente (não fosse aliás ter reclamado dos telemóveis que se colocam imediatamente à sua frente nestes momentos – “I can’t fucking see who I am singing to!” TB) pedindo que estejamos “presentes no momento”, expressão-chave no 1.0.1 da meditação, a que a banda foi introduzida há bastante tempo, e no potenciar de cada experiência concreta. Desta experiência concreta.

You keep on screaming / Don´t you see me here?

As músicas mais recentes têm direito a introdução e Booth revela o seu enquadramento. As antigas nós conhecemos, como “Five-O” (Laid, 1993), em que é dado destaque ao violino de Saul David e à guitarra eléctrica de Larrie Gott. Andy Diagram vai acompanhando Booth na voz e com a incansável pandeireta, num momento menos dançável, mas muito melódico e cheio de nuances, para voltarmos a 2016:

Booth explica que “Move Down South” guarda uma mensagem ambientalista, fazendo referência a Trump, por negar (ou ter negado, não se percebeu ainda bem) o aquecimento global cujos efeitos se têm feito sentir tão fortemente na Califórnia. Lembra ainda o vídeo de To My Surprise, que denuncia alguns dos vícios da sociedade moderna, num tom “make love not war” e encerra com as famosas imagens de líderes mundiais e representantes de grupos antagónicos da sociedade aos beijos – entre eles, Trump. “We never thought that fucker would get in.”, remata.

Seguem-se as novas “Girl at the End of the World” (remember to breath), “Catapult” com imenso crowdsurfing, e “Tomorrow” (esta, também de Laid). “Feet of Clay”, que é provavelmente a música mais bonita do disco de 2016 (“Love it all, there’s no escape”), com direito a violoncelo, obriga ao momento mais sentido da noite (“It’s a real pleasure to be back. We’ve grown old together” TB), para introduzir uma leva das mais conhecidas: “She’s a Star” (Whiplash, 1997), apenas separada de “Come Home” (Gold Mother, 1990 – claro.) e de (a paradoxalmente saltitante) “Sit Down” por um momento Dave Mathews em “Vervaceous” (Millionaires) e a recente quase-Moby “Dear John”. Estes tipos e os 90.

Maracas, megafone, palmas coordenadas, solos de trance-dance, toda a nossa “Attention” – vêem o que fiz aqui? “stars will fall!”, mas ainda não é agora.

A banda despede-se, claro, para voltar para completar com os imprescindíveis “Getting Away With It” e “Sometimes”. Minutos só do público a dizer a Booth que, às vezes, quando o olha nos olhos, lhe vê a alma. Booth replica: “this song is what is all about”: entra “Nothing but Love” e acaba com disparos de confetti (agora, sim). Foi incrível, meus amigos. Claro que tentámos um terceiro round, só que não deu.

Na saída, passamos por diversos posters dos próximos concertos e ouvimos, verbalizado “Escusas de ver mais concertos na vida”.


sobre o autor

Ines Cisneiros

Partilha com os teus amigos