Reportagem


Dino d'Santiago

A ideia certa

NOS Primavera Sound

06/06/2019


É sobre uma ameaça depressiva de chuva que a edição de 2019 do NOS Primavera Sound abre as portas ao público. Sem surpresa, a afluência é menor que em anos anteriores. Não, ainda não estamos a atirar farpas ao cartaz, nem queremos, mas notamos que muitos festivaleiros preferiram chegar mais tarde a arriscar a intempérie.

Quando as três músicas e vozes de apoio de Dino D’Santiago entram em palco, tememos que seja um concerto para fotógrafos e os três gatos pingados que lá estavam, mas assim que o artista algarvio entra em palco traz consigo o sol e todos os que estavam presentes no recinto.

“Qual é a ideia,” pergunta-nos. “Não vês a tua cidade a chamar por ti?” Neste momento, até o Entroncamento podia chamar por nós que nós deixávamos o frio e a chuva do Porto por qualquer coisa. Quando em “Nova Lisboa,” tema que reflete sobre a gentrificação trazida pelo turismo que pôs a capital “na moda,” Dino nos diz que “está quente Lisboa,” não conseguimos não esboçar um esgar de ironia.

“Boa tarde, Porto, e obrigado, São Pedro,” agradece quando o sol toma o lugar das nuvens. “Que seja um momento bom para todos nós.”

As raízes cabo verdianas de Dino permeiam todo o repertório do músico que se diz de Santiago. O que o torna um caso a estudar é como usa essa ligação às origens para enformar uma visão mais cosmopolita e mundividente. Em “Tudo certo” diz em voz alta que nos quer levar “numa viagem saída de Santiago que representa o género mais antigo: batuque.” Estava a danceteria montada. Ainda se ouviu exclamar por Buraka Som Sistema, lembrando a colaboração com Branko.

Apreciamos os movimentos de Dino em palco que não parece ter sido afectado pelo peso de estrear o palco Super Bock. Da sua parte, o público ia dando o que podia, que no caso era a melhor versão possível de malta branca a dançar.

“Este é o tema que me trouxe aqui,” apresentava. “Mundo Nôbu” até pode ter sido o mote para o álbum homónimo e o seu motor de ignição, mas nós arriscaríamos que a faixa que fez trinta por uma linha para levar a música do artista a mais ouvido viria a seguir.

“Como Seria,” e as suas chamadas por nome a Beyoncé e Jay-Z, é imediatamente reconhecível e um êxito transversal. Termina com um peso extra na transição para “Nôs Funaná” que preparou a frente do palco para a dança mais efusiva do dia.

“Agora é aquela parte fodida; se eu pudesse estava aí em baixo,” lamentava. E enquanto pensávamos porque é que não podia, Dino desce à grade para se aproximar dos festivaleiros para os incentivar a mexer os pés. Claro está, a melhor forma de liderar é por exemplo. D’Santiago galga o que o separava da frente do palco e vem dançar no meio do público que se aproxima e dança com ele.

Num espaço de 5 minutos, Dino D’Santiago devolve-nos a esperança para esta edição de 2019. Manifestamente, esta não é a música que estamos habituados a cobrir ou que a que demos duas horinhas da nossa vida a ouvir fora de compromissos editoriais, mas um bom concerto não depende só dos temas apresentados. Não vamos fingir que não ficámos desapontados pelos nomes que estiveram presentes na edição de Barcelona e ficaram de fora no Porto. Ou que J. Balvin é o nosso sonho de cabeça de cartaz. Mas não haveria razão nenhuma para esta edição ficar aquém de anos anteriores se cada artista trouxer 5% da energia que Dino d’Santiago trouxe consigo.

Nota positiva para este início de Primavera. Possívelmente, o melhor concerto de abertura deste festival desde que o cobrimos. Vá, empatamos com First Breath After Coma só para trazer o argumento à sua conclusão final: não é o género musical que determina um bom concerto.

Galeria


(Fotos por Hugo Rodrigues)

sobre o autor

Jorge De Almeida

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