Reportagem


Mazgani + Miguel Guedes + David Fonseca + Samuel Úria + Márcia + Jorge Palma

As canções de Leonard Cohen são esses pedaços de todos nós

Coliseu dos Recreios

14/03/2018


“If it be your will that I speak no more / And my voice be still as it was before / I will speak no more / I shall abide until I am spoken for / If it be your will”. Assim começou na passada semana a segunda de duas noites de homenagem a Leonard Cohen, através destes versos na sua voz reconfortantemente grave que atravessaram o Coliseu dos Recreios num arrepio colectivo. O tom é solene, metafísico até. Aceitar que Leonard Cohen nos deixou há pouco mais de um ano, parece ser ainda uma ideia surreal, mas a verdade é que ele nunca viveu verdadeiramente no mesmo plano que nós.

Não consigo precisar o autor das palavras “depois de eu morrer quem irá cantar as minhas canções?”, nem isso é aqui importante, interessa mais perguntar se Leonard Cohen alguma vez terá sentido esta angústia, este desejo de imortalidade? Se tal aconteceu gostaríamos de o imaginar ali connosco nesta noite a ouvir tantas canções suas, pelas vozes de MazganiMiguel GuedesDavid FonsecaSamuel Úria, MárciaJorge Palma, que nos levaram numa viagem pelo seu património imensurável, trazendo-nos as suas músicas como nunca antes as tínhamos imaginado. Uma justa homenagem para o músico e também para o público presente, que Miguel Guedes apelidou de “uma espécie de best of de fãs do Cohen”, pois os muitos cabelos brancos espalhados pela plateia não escondem que gostar de Leonard Cohen não pode ser feito a passo apressado e só a maturidade dos anos consegue aproximar-nos dele.

Entre as várias canções que vão desfilando pela noite, cada artista em palco vai partilhando como chegou à poesia de Leonard Cohen. David Fonseca, por exemplo, conta-nos que a primeira vez que ouviu o músico foi pela cover “I Can’t Forget” dos Pixies, que ouvimos de seguida, e que é talvez mais conhecida pela versão do canadiano que pela original. Apenas justo já que Leonard Cohen ofereceu a Jeff Buckley a preciosa “Hallelujah”, nesta noite também interpretada por David Fonseca e que fez o coração do coliseu bater num compasso só.

Jorge Palma recorda, antes de nos trazer a indestrutível “First We Take Manhattan” e enquanto ajeita a cábula da letra, como algures entre os anos 70 e 80 cantava de cor pelas ruas o repertório de Leonard Cohen.

Miguel Guedes, a quem as músicas de Leonard Cohen parecem ter imprimido lições de vida, divaga sobre os vários temas que interpreta, como a importância de largar amarras para encontrar a obra prima, em “Came So Far For Beauty”.

Márcia, que para além de Orlanda Guilande nos coros, é a única mulher esta noite em palco, apela a que se equilibre esta balança, e aproveita “The Partisan” para relembrar os refugiados.

Já Samuel Úria traz-nos o lado mais galã do músico, “Everybody Knows”, “Lover Lover, Lover” e “A Thousand Kisses Deep”, escorregam-nos como lava pelos sentidos e parecem feitas à medida desta personagem irresistivelmente elegante que Úria interpreta nesta noite. O autor de Carga de Ombro reclama a si a difícil tarefa de extroverter um público imerso em nostalgia e apela que todos participem “josecidamente”, que é como quem diz “com palminhas” e com o célebre “la la la” de “Dance Me to the End of Love”, que não há como errar, num dueto apaixonado com Márcia.

Falta falar de Mazgani que nos trouxe os temas mais cancioneiros de Leonard Cohen e que, embora tenha sido mais reservado nas palavras, nos esmagou a todos com a sua indomável interpretação de “Avalanche”.

A despedida fez-se com todas as vozes ao som de “So Long Marianne”. Numa noite tão rica é inevitável que fiquem muitos momentos por ressalvar, mas fica-nos a certeza de que alguém assim capaz de reunir gente e histórias tão distintas, é um puzzle com peças ainda por encaixar. As canções de Leonard Cohen são esses pedaços de todos nós.


sobre o autor

Vera Brito

Partilha com os teus amigos