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Portugal – Um Dia de Cada Vez
Título Português: Portugal – Um Dia de Cada Vez | Ano: 2015 | Duração: 155m | Género: Documentário
País: Portugal | Realizador: João Canijo, Anabela Moreira | Elenco: Rui Macedo, Pedro Moura Simão

Portugal – Um dia de cada vez, documentário com realização repartida entre João Canijo e Anabela Moreira, teve ante-estreia no DocLisboa 2015 e encontra-se agora nas salas nacionais. Nascido de um projecto de Canijo sobre os Guias de Portugal, o filme pertence verdadeiramente a Anabela Moreira, que percorreu durante um ano aldeias e vilas de Trás-os-Montes e Alto Douro para retratar a vida dos seus habitantes. Desta viagem resultaram mais de 300 horas de gravação, das quais foi extraído este filme: uma série de quadros que reproduzem o quotidiano transmontano nas histórias das suas gentes, permanecendo o encantamento pelo universo feminino, tão característico da filmografia de Canijo.

A maior parte das entrevistadas são de facto mulheres: idosas e viúvas, abandonadas às suas memórias, a conversas de circunstância com as vizinhas ou só à espera da morte, mas há ainda entrevistadas mais jovens, como uma adolescente que diariamente percorre vários quilómetros de autocarro para ir à escola, uma mãe cigana, uma imigrante de leste que trabalha na apanha da fruta, ou uma jovem divorciada que trabalha num restaurante e se emociona com o enredo da telenovela como se fosse o da sua própria vida. Anabela Moreira, adoptando uma postura não participante e de mera observação, utiliza a câmara de forma não intrusiva, permitindo que os intervenientes se habituem a ela e se comportem de forma natural – ou o mais natural possível. São abordados os tradicionais temas da desertificação, da pobreza, da crise económica, da solidão e do isolamento – especialmente vincados no interior deserto e envelhecido aqui retratado – e percebe-se, em momentos particularmente emotivos, a inegável proximidade conseguida entre entrevistadora e entrevistadas. Anabela Moreira conta: “As pessoas abriram-me a porta de casa e a câmara não era a coisa mais importante entre mim e elas. Não fui com um espírito de jornalista ou documentarista. Descobri que as pessoas têm uma grande necessidade de serem escutadas. Deixei muitas vezes de filmar para as abraçar”.

Conforme o título indica, nas aldeias de Podence, Vila Nova de Foz Côa, Grijó e Vila Flor vive-se um dia de cada vez. Há sem dúvida depoimentos genuínos, histórias comoventes e outras até risíveis, mas ao longo dos sucessivos episódios e personagens que o filme oferece, não é claro o seu propósito ou a sua mensagem – sendo que o resultado da recolha não é também particularmente interessante. Tendo em conta valores recentes do etnocinema português como Aquele Querido Mês de Agosto (Miguel Gomes, 2008), Linha Vermelha (José Filipe Costa, 2012), ou Alentejano, Alentejo (Sérgio Tréfaut, 2014), permanece aliás uma sensação de déjà vurelativamente ao seu formato, que por um lado não oferece qualquer leitura ou reflexão e, por outro, não tem profundidade suficiente para representar um trabalho etnográfico sério, que privilegie de facto as narrativas (mais do que as personagens) como instrumentos de revelação dos contextos que lhes subjazem. O ponto forte do documentário resume-se à genuinidade dos participantes, que contribuem com as suas histórias de vida para as mais de duas horas de um filme que repisa uma realidade conhecida de uma forma muito limitada, pintando uma imagem condescendente e miserabilista (embora bem filmada) de uma paisagem humana aparentemente condenada à mera sobrevivência. Sendo óbvio que o cinema é uma ferramenta de investigação social poderosíssima – mas também uma arma de denúncia e intervenção – Portugal – Um dia de cada vezdesbarata esse potencial nas suas muitas lacunas, ficando-se por um voyeurismo inócuo.


sobre o autor

Edite Queiroz

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