Com era com h, os Lavoisier inauguram um novo capítulo criativo, abrindo o seu universo musical a dez poemas inéditos escritos por dez vozes fundamentais da poesia contemporânea em língua portuguesa. O disco nasce do encontro entre Patrícia Relvas e Roberto Afonso, agora acompanhados por Pedro Branco, Ricardo Dias Gomes e Diogo Sousa, e um conjunto diverso de autores cuja relação afetiva e estética com a banda se traduz em canções que refletem, cada uma à sua maneira, a inquietação dos tempos atuais. Entre o onírico e o distópico, o álbum revela a busca da musicalidade no gesto poético e reafirma a vocação dos Lavoisier para construir pontes entre linguagens, geografias e sensibilidades. É a partir deste terreno fértil que cada tema ganha corpo, e é sobre essas canções que Roberto Afonso nos fala aqui, faixa a faixa.

O disco está já disponível para audição em todas as plataformas, podem escolher a vossa preferida aqui.

#1 Ponte

Poema de José Luís Peixoto

Este poema surge de uma foto, que serviu de exercício/desafio, cujo propósito seria a partir de uma foto escrever-se um poema, e mais tarde musicar esse mesmo poema. Este convite para musicar o poema do José Luís Peixoto, existe através do MAP, no âmbito de “A Secreta Vida Das Palavras”, com curadoria de Alex Cortez.

Aquilo que tentamos a nível musical foi deambular entre os harmónicos da guitarra (possíveis apenas pelos dois pontos fixos, que uma corda tem que ter na guitarra, para que uma vez percutida em determinado ponto, tenha esse som mais agudo). Tudo o resto derivou dessa ideia com o trabalho incrível do Pedro Branco e do Ricardo Dias Gomes, acrescentando muitas cores ao quadro já levemente desenhado pelos Lavoisier.

#2 Banquete Ácido

Poema de Maria Giulia Pinheiro

Esta canção começa com um solo de flauta transversal, da Helena Liberatto, membro da Orquestra Fantástica do Futuro de Vila Real, que esteve presente no álbum Viagem a um Reino Maravilhoso, Miguel Torga por Lavoisier, e que nos transporta imediatamente para uma doçura que há sempre em banquetes ácidos.

Foi muito curioso assistir ao nascimento desta canção como algo que passeia entre Secos e Molhados e António Variações, passando por um Clube da Esquina, onde sentados a um canto, a assistir a este cenário todo, Nick Drake, Tim Buckley e Joni Mitchell sorriem com as palavras redondas e aguçadas da doce mas, feroz Maju.

#3 O Mundo Bem Monstro

Poema de Raquel Nobre Guerra

Tendo um vínculo a Odivelas, tanto nós como a Raquel Nobre Guerra (Senhor Roubado) saberíamos, ainda que inconscientemente, que isso nos ligaria de alguma forma. O Mundo Bem Monstro não mais se aproxima, do que a uma balada “grungeana” acompanhada ao adufe do Mário João Santos, escutada num carro com leitor de CDs, observando a urbe do alto da serra da Amoreira, gaseada por um fumo que se confunde com a neblina poluente de Lisboa. Adivinhando um mundo sem redes e com muitos turistas de nós mesmos.

#4 Pé de Vento

Poema de Alice de Neto Sousa

Este é um dos casos em que a poeta, Alice de Neto Sousa, quis a célebre melodia, designada na giraria artística musical de “lá lá lá”.
A partir desse momento percebemos que o estilo que corria para se colar ao nosso acto de criação, era a triste mas sempre dançante lambada, e tanto insistiu, que anuímos por unanimidade em consentir o seu desejo. Neste tema podemos ouvir uma percussão, onde todos os instrumentos foram tocados pelo Leonardo Reis.

#5 Portugal não me respeita

Poema de Nástio Mosquito

O groove desta malha anuncia-se pelo baixo do Ricardo Dias Gomes, que ao ouvir em Ílhavo na Fábrica das Ideias, pela primeira vez a nossa maquete, introduziu a ideia de maracatu que se faz ouvir durante a canção toda. Oferecendo-lhe um carácter arrastado, pesado, longe do tempo forte, anunciando o idoso, “aquele que não se compara com ninguém”, cujo tempo escasseia e que já não é respeitado em Portugal, como de resto querem preconizar as palavras do Nástio neste belíssimo poema.

#6 Mais uma Canção de Amor e Luta

Poema de Nuno Miguel Guedes

Quisemos que fosse uma ode ao amor cinéfilo do Nuno Miguel Guedes. Daí que alguns samples que se ouvem durante o tema sejam alusões a esse mundo, tais como diálogos de Casablanca 1942, ou excertos da banda sonora de The Day that Earth Stood Still de 1951.
Também quisemos levá-la, à canção claro, para um ambiente entre Detroit e Nova York com presenças como Jay Dilla e Marvin Gaye. Piscando o olho a uma antiga eurovisão.

#7 Quiçá o Mar

Poema de Vinicius Terra

É a bateria do Diogo Arranja que resolve o tema. Todo ele sincopado com o discurso feroz do nosso irmão Vinicius Terra. A batida que foi criada no início para sustentar o tema não correspondia minimamente à força que a canção pedia, assim que desafiamos o Diogo a colocar o seu cunho neste tema, a coisa fluiu para uma atitude que escasseava, ou que ainda estava escondida.
Podemos de antemão dizer desde já, que este tema ao vivo é foda!

#8 Era uma menina

Poema de Maria do Rosário Pedreira

À semelhança da Ponte, também este tema advém de uma foto. Uma foto que tem uma miríade de gente de costas para a pintura de Leonardo da Vinci, que observam o seu sorriso em primeiro plano através de um écran, e em segundo plano um outro sorriso longínquo e desfocado, de outra era.

O conto de Maria do Rosário Pedreira é fascinante, é a história de uma menina que morre e que ninguém se apercebeu, só poderia existir num ambiente brechtiano com o seu quê de Ennio Morricone.

#9 É pena que os peixes não saibam cantar

Poema de José Anjos

A progressão harmónica desta música acompanha de mão dada, as palavras do poema mais imagístico de todo o álbum. Do erudito à valsa, do contraponto ao blues esta canção não será a mais fácil de ouvir, mas arrisca-se a ser a mais fácil de sentir.

#10 Melúria

Poema de Filipe Homem Fonseca

O Filipe quando nos entregou o poema, não foi um poema que veio, mas sim um guião.

Foi fascinante perceber como tudo se encaixou milimetricamente, através de um “lá lá lá” que suscitou sílabas, gritos, aconchegos, palavras, dores, lamentos, lamúrias e melúrias. Oceanos de ideias de arranjos emergiram da cabeça de todos os músicos envolvidos. A última música de era com h, é o melhor prenúncio do início que se avizinha na carreira de Lavoisier em formato quinteto.


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