Já passaram sete anos desde que os We Came as Romans sofreram o seu maior abalo: a perda de Kyle Pavone, um dos seus carismáticos vocalistas. O luto foi feito em “Darkbloom” e a banda, sem o substituir, já reencontrou o seu caminho e, mantendo-o sempre presente, vai sabendo como avançar para evitar ser aquela tal banda que perdeu o vocalista. “All Is Beautiful… Because We’re Doomed” é o novo disco dos We Came as Romans e pode considerar-se o início de uma nova etapa para estes já veteranos da cena metalcore americana. O vocalista Dave Stephens e o guitarrista Josh Moore não se acanham e abrem as almas nesta extensa conversa que nos ajuda a compreender melhor onde se encontram.
Parabéns pelo novo álbum! O que podes explicar sobre o seu impactante título?
Dave Stephens: O título vem de dois conceitos que encontrei enquanto lia. Caroline Myss, acho que é esse o seu nome, escreveu um livro chamado “Anatomy of the Spirit” (“Anatomia do Espírito”). Ela tem este conceito chamado “All is one” que é basicamente a regra dourada de fazer aos outros o que queres que te façam a ti e, como tudo, quer sejam pessoas, animais, natureza… A forma como os tratas, é como te tratarão a ti. Está tudo sincronizado. Adoro esse título, “All Is One”, mas não o conseguia fazer resultar… Estava muito despido. E eu queria mais contexto. Então estava a procurar umas citações de Homero, que escreveu a “Odisseia” e a “Ilíada”, e há uma parte em que ele diz “Deixa-me ensinar-te uma coisa, algo que não te ensinam no templo: os deuses invejam-nos. Invejam-nos porque somos mortais. Qualquer momento pode ser o nosso último. Tudo é mais belo porque estamos condenados.” Então peguei no conceito do “All Is One” e alterei-o para “All Is Beautiful… Because We’re Doomed”. Então é daí que vem a inspiração. Do tipo… Tudo na vida é belo, o bom e o mau, porque temos sorte suficiente para estarmos cá e tudo terá utilidade a certa altura.
Com a notoriedade, aclamação e sucesso comercial do “Darkbloom”, sentiram alguma especial pressão quando faziam o “All Is Beautiful…”?
Dave: Sim! O “Darkbloom” foi um disco fantástico no qual trabalhámos imenso. Foi feito, obviamente, para o Kyle, e atendia às coisas pelas quais estávamos a passar, o processo de luto e diferentes momentos que passámos com ele. Foi um disco muito difícil de escrever. Mas o conceito era bastante claro, visto que tínhamos acabado de perder o nosso amigo e sabíamos aquilo que tínhamos que escrever. Para este disco é muito mais difícil, e também como o sucesso do “Darkbloom” foi tão grande, também acrescentou pressão para termos que escrever algo melhor ainda, ou superá-lo, ou escrever algo que nos fizesse continuar como banda. E isso foi extremamente difícil porque não sabíamos bem sobre o que escrever, não sabíamos quem éramos após anos a atravessar um luto, trauma e essas coisas todas. Eventualmente começámos a escrever e algumas coisas não se sentiam tão autênticas como seriam normalmente. Então tivemos que reunir-nos, sentar-nos, permitir-nos ficar vulneráveis e abrir todas as emoções e sentimentos para descobrir quem éramos enquanto banda. E a chave neste disco é que tudo aquilo que escrevemos é uma experiência que todos passamos juntos, da mesma forma, como conjunto. Isso é muito fixe porque não fui só eu a escrever uma canção para mim. Nem os outros membros da banda a escrever canções para si próprios. Foram canções adequadas a algo que todos atravessámos, a emoções verdadeiras que tivemos. Isso foi uma tarefa difícil, agora que estávamos mais como uma banda e não como uma pessoa a escrever sozinha. Somos uma unidade e temos que estar cientes uns dos outros para fazer o melhor produto e isso precisa de tempo para conversar e muita comunicação.
Josh Moore: Sim, claro que há pressão ao fazer um disco novo. Queremos sempre elevar a nossa banda, a nossa arte, fazer algo de que nos orgulhemos, algo que esperemos que tenha uma ligação emocional com os nossos fãs. Enquanto o “Darkbloom” foi incrivelmente difícil de escrever, a nível emocional, sendo sobre o Kyle, por outro lado foi muito fácil sabermos sobre o que é que tínhamos que escrever. Sabíamos do que tínhamos que falar, as coisas que tínhamos que confrontar. E depois disso, decidimos que não queríamos ser definidos por essa perda, ser para sempre a banda que perdeu o vocalista. Então decidimos, depois desse disco, descobrir quem queríamos ser como banda, o que queríamos dizer, o que queríamos escrever, como queríamos definir que este quinteto é mais do que apenas algo esculpido pela tragédia.

Soam cada vez mais antémicos. Procuram isso conscientemente, para manter a vossa música a soar actual, ou acontece tudo naturalmente?
Dave: Acho que acontece naturalmente. Acho que, à medida que a música evolui, é claro que vão sempre haver tendências, quer seja nas gravações, no tipo de som, ou as palavras que as pessoas usam, ou conceitos. E acho que a nossa banda é bastante inspirada noutras bandas que estão constantemente a inovar, a seguir em direcções diferentes e a forçar-se a ser melhores artistas e músicos e a dominar na sua área. E também acreditamos em bandas que estão a crescer e a esforçar-se por mudar os moldes. Não acho que tenha sido uma escolha consciente, acho que foi mais uma questão de nos perguntarmos “O que andamos a ouvir? Como queremos soar? Que coisas boas podemos ter para continuar a soar à nossa banda, mas também a envolver novos elementos, novas coisas divertidas para mantermos a vontade de continuar a tocar estas músicas muitas vezes?” Acho que é uma questão de estarmos atentos e saber o que realmente inspira cada membro individualmente. É assim que acabamos por chegar àquele ponto, ao tal som antémico.
Com a forma como o álbum está construído e com o facto de as canções serem inspiradas em experiências da vida real, todas com pontos em comum, acham que têm um álbum conceptual em mãos?
Josh: Não sei se é tanto um álbum conceptual, ou se é mais um olhar “por trás da cortina” da vida dos We Came as Romans, como banda. As experiências de vida que partilhámos na estrada, no estúdio e até mesmo em casa. Meio que é apenas olhar para trás, para anos passados, e contar estórias e coisas que atravessámos, do ponto de vista de quem somos actualmente como pessoas. Isso não quer dizer que não reconheçamos a forma como nos sentimos na altura, mas tudo se vê de forma diferente à medida que ficas mais velho e ganhas mais sabedoria e redefines muitas perspectivas que nem poderiam existir em tempos de juventude.
Eu posso estar completamente errado quanto a isto, mas sinto que, mesmo ainda sendo um disco muito emocional e escuro, parece entrar um pouco mais de luz. Sentem que é uma forma correcta de ver as coisas?
Dave: Sim, é. É suposto mostrar todos os lados da vida. Há lá uns momentos muito bons de triunfo, há momentos com uns lindos refrães, partes para cantar em uníssono. Não queríamos fazer um disco que fosse totalmente escuro, queríamos um disco bem equilibrado, que se sentisse como uma espécie de nascimento e morte, de certa forma. E que está tudo bem com passar por todas essas coisas, porque toda a gente eventualmente faz a mesma coisa, atravessa a mesma linha. O disco tem um pouco de tudo para todos e, com certeza, algumas partes mais “iluminadas” pelo meio, e nem sequer foi feito de propósito, aconteceu naturalmente e calhou encaixar no conceito.
Josh: Sim, afinal começámos a banda há vinte anos atrás como uma banda de mensagem positiva, pode encontrar-se muito disso no nosso primeiro disco, o “To Plant a Seed”. Todas as canções tinham que acabar numa ressonante nota positiva, e cada experiência seria algo que te tornasse melhor e com a qual pudesses aprender. Quando ficámos mais velhos, apercebemo-nos que esse entusiasmo juvenil nem sempre é alcançável, não é essa a realidade do mundo em que vivemos. Mas não é caso para dizer que não possa ainda existir, acho que é apenas uma rota diferente que temos que tomar. Mas no final, acho que seremos sempre uma dessas bandas que tenta sempre encontrar algo de positivo em qualquer situação, só crescemos o suficiente para saber que não podemos descartar as coisas negativas ou desagradáveis, ou a dor que se sente. Apenas existe uma forma melhor de reconhecer essas coisas e lidar com elas, e também reconhecer as coisas boas.
Destacas como o tema “Culture Wound”, e todo o álbum de certa forma, apresentam a questão: somos inerentemente bons ou inerentemente maus? Já encontraste uma resposta a essa questão?
Dave: Hmm… Não. (risos) Não acho que alguma vez haverá uma resposta a isso. Para mim, tem tudo a ver com a forma como vês o mundo e as pessoas. Acho que, por vezes, seja com algo grande ou pequeno, podes fazer as escolhas erradas e tens que aprender com isso. E acho que a questão maior seria como conseguir viver a vida fazendo as melhores decisões possíveis, que sabes que estão certas, mesmo que por vezes sintas que queiras tomar a má decisão, ou deixar a raiva e outras coisas tomarem conta de ti, fazer coisas que não sintas que sejam bem quem tu és. Portanto, a minha resposta a isso é que eu quero sempre acreditar que as pessoas são inerentemente boas, mas nem sempre é o caso. E a única coisa que eu posso fazer quanto a isso é ser uma melhor pessoa e estar constantemente a seguir em frente nesse sentido e a dar o exemplo, quer com palavras ou acções. É assim que eu escolho viver a minha vida.
Qual achas que seja o vosso maior “selling point”? O vosso talento para as melodias, ou a profundidade das vossas letras? Ou achas que não dá para destacar um ponto em particular?
Dave: Eu não diria que exista algum tipo de “selling point”. Não escrevemos este disco para vender alguma coisa, ou para ser comerciais. É mais… Apenas nos queremos expressar e apenas queremos algo que se sentisse autêntico e bom, que se sentisse natural para nós. Porque, no final, estamos a tocar estas canções e eu não quero estar a tocar para aquilo que acho que as outras pessoas possam gostar. Obviamente, quando estás a gravar, há sempre aquele momento de “Ah, a moshpit vai ser enorme para esta!”. Portanto pensamos nessas coisas, de vez em quando, mas muitas vezes estamos só a tentar fazer o que nos faça sentir bem, o que pareçam passos fixes para fazer a banda crescer e evoluir. Fazer algo espectacular a partir do nada, e captar emoções.
Claro que temos que falar do inevitável, o Kyle Pavone. Enquanto o “Darkbloom” foi mais movido pelo luto, pesar e pelo tributo, quanto disso ainda inspira o “All Is Beautiful…”? Achas que haverá algum momento na vossa carreira em que essa dor e essas emoções não serão a principal força condutora para a inspiração?
Dave: Pois, é a tal coisa… Claro que todos ainda sentimos falta do Kyle e o amamos e foi uma das coisas mais difíceis que tivemos que atravessar. Mas outra coisa que também acho é que o “Darkbloom” foi obviamente uma reflexão do nosso luto, e da nossa viagem por esse luto. Mas, mesmo seguindo em frente, claro que vamos sempre mantê-lo em mente. Este disco é mais uma compreensão da vida e da morte e porque é que até as coisas mais difíceis acabam por tornar-se belas, dependendo de como olhas para elas. Portanto, definitivamente penso que mantemos sempre o Kyle nas nossas mentes e nos nossos corações mas, pessoalmente, na minha jornada, aprendi um pouco mais sobre a morte e como ela afecta a minha vida. Coisas importantes e lembretes que me ajudam a olhar para tudo com uma lente diferente. Mas não quero passar a minha carreira a escrever discos sobre as saudades que tenho do meu amigo, e o meu amigo também quereria que eu escrevesse sobre outras coisas que mexam comigo. Acho que existem outros elementos importantes, mas isso não significa que não o tenha em mente quando escrevo com a malta. Ele estará sempre lá de alguma forma espiritual ou como seja.
Quanta presença do Kyle ainda sentem quando escrevem um novo disco?
Dave: Há uma coisa engraçada. Quando o Kyle costumava ficar mesmo muito entusiasmado, ele juntava as mãos, começava a abanar-se e a fazer uma certa cara, que conseguíamos notar logo o quão entusiasmado ele estava a ficar, no estúdio. Acho que muitas vezes, todos nós sentimos esse entusiasmo quando começamos a escrever e a construir, e algo muito fixe ganha vida, sabes? Quando já acabámos no estúdio e ouvimos o que fizemos e ficamos todos super felizes… Há sempre algo do Kyle, que era um tipo tão maluco e extrovertido, uma pessoa divertidíssima. Muitas vezes, mantemos essas coisas vivas em estúdio, a divertir-nos ou a fazer algo mais extravagante e louco e a excitar-nos muito com isso. Esses elementos estão sempre lá e, mais especificamente, a nível sonoro – o Kyle ouvia coisas como EBM e muita música estranha, então tentamos manter isso no fundo das nossas mentes e eu fico sempre curioso a pensar, se ele ainda cá estivesse, o que andaria a ouvir. Tento lembrar-me sempre disso. Mas sim, no geral, todos tentamos replicar o seu entusiasmo.
Josh: Pois, será sempre algo que estará nas nossas mentes, passámos a maior parte das nossas vidas juntos. Acho que quando há uma parte fixe, ou até uma simples hook ou algo do género, quando estamos juntos no estúdio, algum de nós vai dizer “o Kyle ia adorar isto!” São pequenas coisas como essa que acho que vão acontecer para o resto da vida da banda e acho que é a melhor forma de o manter nestas canções, nesta banda… De o manter vivo connosco. E isso é a coisa menos forçada, sente-se natural e real para nós.

Já começaram a tour e já levaram estas novas canções para a estrada. Como tem corrido e como tem sido a recepção dos fãs?
Dave: Tem sido fantástico e impressionante, da melhor forma possível! Nunca sabemos como os fãs vão reagir a uma música nova, a um disco novo. É uma sensação assustadora, a que vem com lançar arte para o mundo e ser capaz de, não só tocar estas músicas nas quais trabalhámos ao longo dos anos, mas também ver a reacção dos fãs, a cantar connosco. Na nossa última digressão como cabeças-de-cartaz nos Estados Unidos e ao longo deste ano, temos aberto com o tema “Bad Luck” – claro que temos a introdução “All Is Beautiful…” mas passa de imediato para a “Bad Luck”, a primeira música com voz – e o público é sempre tão ruidoso. Mostra mesmo que os singles novos e o álbum foram muito bem recebidos, as vendas de bilhetes têm sido óptimas, e as reacções online também têm sido estupendas. Muito honestamente, não podíamos estar mais felizes.
Josh: Esta tem sido, definitivamente, a melhor tour como cabeças-de-cartaz pela Europa e Reino Unido. As vendas de bilhetes têm sido brutais e isso, no papel, são só números, mas quando entramos numa arena e estamos em palco a tocar e a sentir toda a energia dos fãs… Tem sido incrível. Acho que ainda não tínhamos sentido uma digressão com tanta força como esta e, ao tocar as músicas novas, a recepção tem sido… Como nada que alguma vez tenhamos experienciado pela Europa e Reino Unido. Também tem sido brutal que o disco nem tenha saído assim há tanto tempo e todas as recepções mais barulhentas, todos os maiores singalongs são para as músicas novas e essa é a melhor sensação para um artista: criar algo novo do qual estás muito orgulhoso, sentires aquela ansiedade de “e se isto não criar conexão com os fãs? E se eles não adorarem isto tanto quanto nós?” e agora poder dizer que já não há mais dessa ansiedade a cada noite, porque os fãs simplesmente adoram as músicas novas e todo o set tem uma energia incrível.

