Nem uma nesga de luz entra. Julgávamos estar loucos ao pensar na possibilidade de os Primitive Man conseguirem ficar mais pesados ainda, com o tempo, mas afinal os próprios confirmam-nos que temos a impressão certa. “Observance” volta a desafiar parâmetros e é o próprio Ethan McCarthy quem melhor nos pode dizer o que se passa no meio desta escuridão toda.

Têm, mais uma vez, um álbum muito intenso para nos mostrar! Descrevem a sua concepção como muito focada e até lhe chamam obsessiva. Estas composições já foram mais calculadas ou nasceram, na mesma, da espontaneidade?

Obrigado! E é uma mistura das duas coisas. A maior parte destas músicas começou como sessões de jam e depois pegámos no que gostávamos, refinávamos-lo e o “Observance” é o resultado final.

No entanto, ainda são muito difíceis de catalogar. Isso é libertador no que toca a escrever música nova, ou também determinam limites e por vezes acabam com algo que sintam que não soa tanto a Primitive Man?

Acho que, por termos um som próprio, somos livres para explorar e acrescentar outros elementos que encaixem na estrutura. Pensámos muito nisto quando criámos o “Observance” e, no final, acho que nos mantivemos verdadeiros à nossa sonoridade, isso enquanto adicionámos novos elementos e experimentámos sonoridades diferentes sem trair o conceito/ideia inicial do que a banda é.

Primitive Man - Observance

Também voltaram às composições mais longas e, no geral, a um álbum mais longo. Isso foi algo previamente planeado, que sentiram necessário para alcançar um certo nível de intensidade?

Não, nem por isso. Foi um processo muito orgânico e acho que as composições mais longas, e a intensidade nelas, são apenas uma parte da visão final do álbum – mas isso não foi necessariamente algo planeado. Se tivéssemos ficado com dez músicas de 6 minutos, mas o espírito estivesse lá, por mim também estaria tudo bem.

Este é o disco com o maior envolvimento de toda a banda na escrita. Achas que foi essencial para o “Observance” soar da forma que soa, e é um método que planeiam repetir?

Acho que levámos bastante tempo a encontrar a nossa sonoridade, como grupo, e agora que já a encontrámos, este estilo de escrita é o que parece melhor para nós neste momento.

Também são uma raridade, no sentido em que… Têm um alinhamento bastante estável. Qual é o segredo para manter isso e acham que isso ajuda os Primitive Man a soar como soam?

Acho que haver limites e respeito mútuo é uma chave. Perceber que é um esforço de equipa e que é preciso estar toda a gente focada no objectivo para que seja sustentável a nível espiritual. Ouvir a opinião de todos e tomar decisões baseadas no que é melhor para o grupo, em vez de para o indivíduo. É um projecto sério, com um som não convencional, que exige que trabalhemos com o dobro do esforço, por metade do prémio. Estar toda a gente consciente disso, de tomar os altos e os baixos, de tomar tudo com seriedade, também é uma parte-chave da razão que eu penso ser porque é que somos capazes de nos manter juntos por tantos anos com este alinhamento. Também nos tentamos divertir um pouquinho no meio disso tudo.

Também tratas da arte da capa, sempre fantástica e impactante. Como descreves a capa do “Observance” e de que forma combina com o tema do disco?

Existem vários temas entrelaçados pelo disco, desde assuntos pessoais a globais, e assuntos especificamente dos EUA também. Falo muito de lutas pelo poder, de política e, no fim, tudo se resume ao tópico do poder. Mas o único que realmente manda neste mundo, o único que realmente usa a coroa é a morte. Então pensar nas acções de cada um enquanto andamos aqui na Terra é uma coisa crucial.

E por falar em temáticas, do que falam as letras do “Observance”? São tão escuras como a música?

A infeliz erosão de amizades que por vezes já têm décadas, a decisão se violência é ou não a resposta, o desejo pela mudança, a ascensão do fascismo a nível mundial, alienação parental, a natureza transaccional e enganosa da indústria musical underground ou “above ground” que costuma estar disfarçada de amizade, ou de prestígio e por vezes do DIY de que ninguém quer falar, junto com o facto de nenhum dos artistas ser realmente o dono de alguma coisa e ganhar a menor quantidade de dinheiro, apesar de darem as vidas e sangrarem pela sua arte. Tecno-feudalismo e os males da tecnologia e da internet, que vão cedendo à IA, que determina demasiadas coisas sobre seres vivos através de softwares de reconhecimento facial e outras formas de vigilância em massa. O custo ambiental de centros de dados, etc… Tudo isso embrulhado num só pacote.

Também fazem muitos splits e colaborações com outras bandas. Estão mais focados em trabalhar nos vossos próprios álbuns ou já há alguma nova colaboração a ser trabalhada?

Já aconteceram umas conversas, por alto, com alguns colaboradores, mas não vejo um split a acontecer no futuro próximo dos Primitive Man.

Após trabalhar com tantos artistas diferentes, já tantas vezes, sentes que absorvem algo deles e já detectas alguma influência de colegas em alguns dos vossos trabalhos?

Adoraria dizer que sim, mas acho que os Primitive Man apenas soam aos Primitive Man, a este ponto, e essa ideia já foi concretizada.

Após alguns anos e muitos lançamentos, quando regressam a um álbum como o “Scorn”… Quais são as principais diferenças que notas na banda desses dias e nos actuais Primitive Man?

Somos músicos melhores, o nosso equipamento é melhor portanto soamos melhor, as nossas canções estão muito mais bem escritas, os meus vocais estão mais pesados, e eu soo mais velho – consegues ouvir pedaços da juventude a drenar da minha voz a cada lançamento. O som das nossas influências iniciais é muito mais predominante nos registos mais antigos, mas acho que no “Caustic” já largámos muito disso. Somos mais pesados agora do que éramos nos nossos velhos tempos e até acho que continuamos a ficar cada vez mais pesados, mesmo com a adição dos tais novos elementos. Consigo ouvir como chegámos ao ponto em que nos encontramos hoje, mas acho que estamos na melhor era para uma banda, de muitas maneiras. Temos andado a explorar muito o fundo do nosso catálogo recentemente, porque vamos tocar algumas destas coisas no Roadburn, então este rastreio do trajecto de onde vimos até hoje tem sido um verdadeiro prazer.

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