Entrevista


Eluvium

Toda a tua vida, podes fazer o mesmo caminho todos os dias ou podes, simplesmente, ver o que está por detrás daquela colina.


© N. Javier

É fácil colocarmos um género dentro de uma caixa, por mais fluídos que ele e essa caixa possam parecer. No caso do ambient, quem o cria e ouve sabe quem são as vacas sagradas (ainda que elas variem), o que esperar num concerto (ou o que não esperar; a falta de expetativas é crucial) e os diferentes registos que pode ter. Há o clássico de Satie, há o distorcido-bonito de que Stars of the Lid se apoderaram, há o construtivista de Basinski e depois há o do Matthew Robert Cooper.

O encanto de Matthew Robert Cooper não passa só pela quantidade de personalidades que tem – a dele próprio, a de Eluvium e a de Martin Eden – ou pela colaboração com um dos membros de Explosions in the Sky que resulta em Inventions. A magia dele está na forma como pega na caixa do ambient, a despeja em cima da mesa e a atira fora da janela, criando, de todas as vezes, um trabalho diferente do último.

O que distingue Eluvium de Matthew Robert Cooper? Já lançaste trabalhos com esses monikers e já mencionaste a existência de personalidades distintas.

Quando lancei um álbum sob Matthew Robert Cooper, sentia que não estava no mesmo estado de espírito de quando criava música enquanto Eluvium. Sinto que, algumas das vezes, as linhas se tornaram turvas e se misturaram, portanto não é muito fácil para mim falar dessa distinção agora, ainda que fizesse bastante sentido na altura. E também já lancei uma banda sonora com o meu nome, o que é bastante normal para mim. Acho curioso que as pessoas estranhem isto. Pessoalmente, gosto de variar nos nomes, títulos e mesmo nas palavras desde que façam sentido para mim. O álbum assinado como Martin Eden não é, de todo, um álbum que Eluvium assinaria. Veio de um sítio totalmente diferente, de um método de compor diferente e de instrumentos diferentes. Mas, se decidisse continuar o projeto, teria de inventar outro nome, porque há alguém a lançar música eletrónica com esse nome, também. Mesmo assim, faz-me sorrir o facto de alguém ter de escavar bastante para encontrar estes álbuns todos que por aí andam.

Já que falas nele… Quem é o Martin Eden?

É uma obra do Jack London. Achei que tinha piada roubar o nome dele e usá-lo num projeto de música eletrónica. 

Também assinas os teus trabalhos como Inventions, ao lado do Mark Smith (Explosions in the Sky). Com tantos projetos e monikers em cima da mesa, é desafiante não misturar visões e ideias entre eles? Como é que os manténs singulares?

Como já disse antes, acho que algumas das linhas se tornam turvas e acabam por se misturar. O que é bom, na minha opinião. Não há nenhuma lei que diga que não podem ser. Inventions é a minha banda com o Mark. Não é Eluvium. Ou eu. Sou eu a trabalhar com o Mark. 

E como é trabalhar com ele?

Muito gratificante… Trabalhamos bem juntos. Temos muitos interesses em comum e alguns divergentes, também, o que é bom. Às vezes consegue ser difícil trabalhar com outras pessoas. Há uns tempos era um pouco obsessivo com aquilo em que estava a trabalhar (penso que ainda consigo ser). O que explica o facto de trabalhar a solo, na verdade. Mas há pessoas que conseguem trazer o melhor de ti e tentas, naturalmente, ter o mesmo efeito neles e às vezes acontece alguma magia e trazem-se para algum sítio em que nunca pensariam ir sozinhos. É único e dali sai uma nova versão de nós próprios. Eu e o Mark éramos bons amigos antes de começarmos a trabalhar, portanto a parte mais difícil – a de estabelecer intimidade – já estava trabalhada.

eluvium

Os teus trabalhos, mesmo enquanto Eluvium, conseguem ser bastante distintos. Alguns têm uma costela mais clássica, outros são ambient puro. É uma necessidade tua ou o resultado da experiência e de experimentação?

Eu não diria que é necessário para mim. Acho que é bastante normal não querer fazer sempre a mesma coisa. O que acontece é que as coisas que aprendi de experiências passadas e de álbuns passados acabam por se misturar e daí surgem novas ideias. É o espírito criativo, suponho. É um pouco como fazer o jantar. Não queres, de certeza, cozinhar arroz com vegetais todos os dias. Provavelmente queres massa ou batatas, porque já comeste arroz com vegetais na noite anterior. A música é um bocado como isso, para mim. E, ao fazer e experimentar coisas novas, acabas – espero eu – por crescer como ser humano e como artista e isto acaba por se aplicar noutros campos e interesses que tenhas. Toda a tua vida, podes fazer o mesmo caminho todos os dias ou podes, simplesmente, ver o que está por detrás daquela colina. Isto são tudo metáforas exageradas, claro, até porque sinto que ainda não saí do mesmo sítio desde que comecei a criar. De mim.

Como é que é a tua relação com vocals? Parece ser uma aquisição recente para os teus trabalhos.

Sempre adorei vocals e cantores mais velhos. A inclusão delas, agora, é simplesmente uma questão de timing e algumas coisas a alinharem-se. O Similes (2010), por exemplo, foi um projeto muito mais específico sobre a criação e expansão de um campo de visão, em contraste com a maneira robótica como vivemos a vida e os “confortos” do quotidiano. Por isso é que escolhi cantar num tom bastante monótono… Era mais no intuito de retirar qualquer tipo de emoção à coisa. Daí cantar sobre escolhas difíceis na vida num tom monótono e robótico. Tinha estas palavras na cabeça e sentia que tinha de as cantar dessa forma. Claro que, se fosse hoje, provavelmente teria cantado com mais “musicalidade”… Já para o Nightmare Ending (2013), queria que uma das faixas fosse cantada mas não me sentia bem ao fazê-lo. Por isso pedi ao Ira Kaplan para o fazer e acho que foi uma ótima escolha. Ele percebeu exatamente o que queria. E, neste novo álbum, as vocals são parte de uma ópera transcritas, que eu queria que se destacassem de toda a confusão e barulho. No fundo, são um instrumento como outro qualquer, com um papel diferente em cada trabalho que faço. Não estou propriamente a planear usar sempre ou coisa do género… Os dois álbuns em que estou a trabalhar não vão ter qualquer tipo de partes cantadas, por exemplo.

Sobre o “False Readings On”… Que visão tinhas para este trabalho? É sobre o quê? Li em algum sítio que é inspirado na teoria de dissonância cognitiva na sociedade moderna.

Sim, este álbum lida com esses temas todos de dissonância cognitiva, de perspetiva, de perceções, de crenças, de informação ilusória… É sobre o que estas coisas significam para nós enquanto seres humanos, em termos de identidade mas também para a sociedade como um todo. É também sobre o que nos faz acreditar nas coisas em que acreditamos, o efeito que isso tem na nossa identidade e o que somos ou não sem essas crenças. Somos fortes o suficiente para olharmos por detrás das coisas e continuar em frente depois de o fazermos? Mudaria a nossa direção na vida ou o próprio conceito do que é estar vivo se a nossa perspetiva fosse a de outra pessoa? Onde é que fomos buscar os princípios do que é importante para nós e porque é que acreditamos nas coisas que acreditamos? Fiquei muito contente com o resultado final deste disco, mas foi, provavelmente, o mais difícil de trabalhar até hoje. Depositei imenso de mim neste disco. Mas agora que tive algum tempo para me distanciar dele e da ansiedade que me causou durante algum tempo, consigo dizer que estou muito orgulhoso dele. Mas quero avançar, agora, para uma coisa mais calma…

Como é que traduzes o teu trabalho para uma situação ao vivo? Tentas ser perfecionista ou fazes o que te parece mais certo no momento?

Já tentei os dois… Ainda não sei bem como se sinto em relação a cada um deles. Tenho andado a trabalhar em live sets que requerem mais espontaneidade. Eu tento ser um perfecionista, mas gosto que cada concerto seja único e diferente do outro sempre que possível. E isso criava sempre alguma preocupação em mim. Estou a tentar, agora, encontrar um meio-termo com o que é possível fazer a nível de perfecionismo e com coisas novas que posso fazer ao vivo. Gostava muito de trabalhar mais com cordas e estou a tentar tornar isto possível num futuro próximo, mas o orçamento também tem sido um travão.

Também crias bandas sonoras. Como é a experiência?

Eu gosto de me manter ocupado e de criar tanto quanto posso. Trabalhar em filmes e em bandas sonoras é uma maneira ótima de o fazer e é muito diferente de compor do que para um álbum. É bastante gratificante.

O que vem a seguir?

Estou a ver se faço algumas digressões e crio novos álbuns. Mas não há nada específico neste momento.


sobre o autor

Rita Neves

Música nas horas vagas e nas outras também. (Ver mais artigos)

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