As referências até podem estar bem à vista, mas “Enigma”, álbum de estreia dos Britânicos Abscence foi suficiente para chamar a atenção da Wormholedeath para o relançamento físico do disco, que conta o romance trágico entre duas vampiras, bem musicado por um black metal sinfónico de tons góticos. Por aí, já têm a nossa atenção. Para a reforçar, há o que a própria banda nos revela, até mesmo já em relação ao seu futuro.

O “Enigma” é um álbum com um conceito muito forte. Como podem resumir a estória e o que destacariam como as principais inspirações?

O “Enigma” é essencialmente o início de uma estória de amor, com tanto de apaixonado como destrutivo. No coração estão duas vampiras amantes cuja relação está afogada em beleza, tragédia e sofrimento. O álbum explora a frágil linha entre desejo e tormenta, vida e morte, intimidade e perda eterna. Para nós, não era apenas uma estética superficial, era mesmo para criar um mundo cheio e imersivo. As inspirações vêm da literatura gótica, de black metal dos 90s, e também de cinema. Livros e filmes como “Entrevista com o Vampiro” e “O Advogado do Diabo” deram tanta forma à nossa atmosfera quanto os Emperor e os Theatre of Tragedy deram musicalmente. Queríamos que os ouvintes entrassem numa narrativa e se sentissem consumidos por ela.

Consideram as vossas referências literárias tão importantes como as vossas referências musicais?

Absolutamente. Literatura é tão central para o “Enigma” como a própria música. Romances góticos, poesia decadente, e até filosofia sobre morte, desejo e eternidade, tudo se infiltrou nas letras. Olhamos para escritores da mesma forma que olhamos para compositores ou guitarristas – como arquitectos do estado de espírito. Tal como os Emperor ou os Limbonic Art podem invocar uma vasta e obscura paisagem através do som, um autor consegue fazer o mesmo com palavras. Esse balanço impede os Abscence de serem “apenas” um acto musical; as letras não são secundárias, são uma parte chave do contar da estória.

Álbuns conceptuais serão uma constante na música dos Abscence? Já têm alguma ideia, de antemão, sobre o que irão escrever no futuro?

Sim, para nós álbuns conceptuais são essenciais. O “Enigma” foi o início deste amor e sofrimento vampiresco. O nosso próximo álbum, “Where We Carved the Stone,” continua a estória mas muda a perspectiva – é sobre os momentos mais tardios das suas vidas, como o amor evolui, as cicatrizes se aprofundam, e a eternidade pesa mais. Portanto, o “Enigma” é o acender da paixão, o “Where We Carved the Stone” é sobre como essa chama muda mas nunca morre. Não é uma gimmick, é a nossa forma de contar estórias através da música.

Evidentemente, a música condiz com o seu conceito e não têm vergonha de admitir que evitam canções formulaicas e que querem que elas soem grandiosas e complexas. Não é que alguma vez esperemos que os Abscence alguma vez lancem um álbum de punk rock, mas está fora de questão escrever algo mais despido? Ou apenas deixam as coisas fluir naturalmente quando escrevem a música?

Deixamos fluir. Nada é forçado. A complexidade chega naturalmente porque queremos que as canções se sintam como mundos inteiros, e não fragmentos. Com isso dito, por vezes uma secção mais despida pode atingir com mais força do que um paredão sonoro. Não somos contra a simplicidade quando serve a emoção. Mas não, não nos verão a escrever um disco de punk, simplesmente não estamos virados para isso. Queremos grandeza, dinâmica e profundidade.

Escrevem música para condizer com a letra ou o contrário? É desafiante fazer com que combinem ou existe alguma insatisfação com alguma música que não sintam que combine com a atmosfera ou certa parte da estória? Ou conseguiram sempre isso com facilidade quando fizeram o disco?

Para o “Enigma” foi muito orgânico. Regularmente a música vinha primeiro, criando a arquitectura emocional, e a seguir as letras eram escritas para viver dentro desse espaço. Mas às vezes um verso ou até mesmo só um título já dava forma à música. É um diálogo, e não uma estrada de sentido único. Claro que existiram momentos em que combinar a mood com o texto era uma luta, mas foram essas lutas que nos deram alguns dos resultados mais interessantes. Um exemplo é a “Eternal Vows of Midnight,” que nem sequer pertence ao black metal, mas arriscámos e resultou dentro do grande arco do disco.

Abscence - Enigma

Há muita menção a referências dos 90s. Considerariam o “Enigma” um álbum nostálgico? É seguro dizer que fizeram o álbum que queriam ouvir mas que mais ninguém estava a fazer?

É nostálgico no sentido em que tiramos do espírito que estava vivo nos 90s: bandas a atrever-se a soar grandes, complexas e intransigentes. Mas não é retro. Não queríamos replicar um som antigo, queríamos capturar aquele destemor. E sim, uma parte disto foi egoísta: fizemos o disco que queríamos ouvir, porque mais ninguém o estava a fazer da forma que imaginávamos.

Certamente há muitas comparações aos Cradle of Filth. Incomoda-vos e acham que vos limita, ou consideram-no lisonjeador e que possam usar como uma vantagem?

Para nós é lisonjeador, especialmente quando pessoas nos comparam aos Cradle of Filth dos primeiros quatro discos. Essa era foi monumental. Claro que os Cradle são uma grande banda que vive da sua música; nós não estamos nisto por dinheiro, e temos os nossos empregos regulares. Isso dá-nos liberdade, podemos criar sem compromissos. Portanto se as pessoas nos chamarem os Cradle 2.0, mas naquele espírito dos primeiros álbuns, aceitamos.

Que outras referências musicais nomeariam, que sintam que sejam menos óbvias?

Para além dos nomes mais óbvios, tiramos muita coisa de Limbonic Art, Emperor, Paradise Lost, Theatre of Tragedy, compositores clássicos, e até pianistas como a Hélène Grimaud. A forma como ela interpreta o silêncio, intensidade e nuance ao piano… É uma inspiração tão grande para nós como qualquer disco de black metal. Essas influências nem sempre são gritantes à superfície, mas dão forma à arquitectura das nossas canções.

Já têm um videoclip. Sentem que a parte visual é importante para completar a música da banda e pretendem trabalhar mais nela no futuro?

Sim, a parte visual é vital. Estendem a atmosfera para além do som e para o imaginário. O “Our Love Ignites” já nos mostrou isso, o visual não é só uma ferramenta de promoção, faz parte do contar da estória. Planeamos fazer mais vídeos, visto que completam o mundo que estamos a construir.

Quais são os planos para os palcos? Um espectáculo dos Abscence tem que ser muito teatral?

Queremos que os espectáculos ao vivo dos Abscence se sintam imersivos, quase teatrais. Não no sentido de adereços exagerados, mas na forma como a mood é carregada. Escuridão, ritual e atmosfera são essenciais. Não estamos interessados em apenas tocar as músicas ao vivo da forma que elas estão no disco, o palco deve expandir a música.

Para concluir numa nota mais leve, uma pergunta menos séria e com mais humor: se vão ser os novos Cradle of Filth, podem ser uma versão com um alinhamento estável e sem o drama todo?

(risos) Era giro, não era? Se vamos ser os “Cradle 2.0,” então sim, esperemos que seja com estabilidade e sem todo o caos por trás da cortina. O foco deve manter-se na música, na estória, e na atmosfera. Se conseguirmos manter isso intacto, então estamos a fazê-lo bem.

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