Reportagem


The National

Portugal, Coura e os The National mudaram desde 2005, mas a depressão urbana mantém-se.

Vodafone Paredes de Coura

14/08/2019


© Hugo Lima/Vodafone Paredes de Coura 2019

Presume-se que todos saibam quem são os The National, essa banda de visto gold com vários apartamentos por Portugal, situados entre Paredes de Coura e o Sudoeste, e, como tal, apenas se refere que a banda transplantada do Ohio para Nova Iorque veio tornar à casa onde se estreou em Portugal, no longínquo ano de 2005. Pois bem, tanta coisa mudou desde então, incluindo a banda de Matt Berninger e dos pares de manos Dessner e Devendorf: tornaram-se num grupo de proa do “InDiE rOcK”, ganharam Grammys, arranjaram projectos paralelos de relevo, Matt Berninger deixou crescer a barba e continuam a ser “a” banda sonora da depressão urbana rock pós-moderna.

É um medalheiro e pêras, não? Talvez por isso Berninger tenha entrado em palco não com esse seu ubíquo clássico copo de vinho, mas sim de Coca-Cola (podia ser uma Cuba Libre, porém) na mão, porque está de barriga cheia. O alinhamento estava já definido e não haveria surpresas para o gig no beautiful spot (segundo Berninger), infelizmente.

Olhos postos no palco para o arranque com You Had Your Soul With You, do novo I Am Easy to Find (4AD; 2019). O povo vibrou, mas a dúvida assaltou-nos: serão estes os The National de que gostamos há mais de dez anos? Não são: faltam os refrões orelhudos e uma certa fúria contida que os distinguia de muita gente e os colocava a par dos compatriotas The Walkmen em termos de rock para adultos, mas não de dad rock.

 

 

Regresso a terreno familiar com Don’t Swallow the Cap e Bloodbuzz Ohio. A própria História de Portugal nestes anos – dos anos negros do socratismo 2005-2011 até ao horror PAFiento 2011-2015 – vê-se vertida na letra: I still owe money to the money to the money I owe. É (também) por isto que estes gajos são importantes para nós.

O cartaz de 2005 foi um dos mais importantes da História de Coura, que deu a conhecer in loco a Portugal bandas como os The National e os Arcade Fire. Com efeito, os concertos destas duas bandas nas duas últimas edições e dos LCD Soundsystem (estreia em 2004) em 2016 serviram de recordação e analepse, mas também de ponto de situação da música dita alternativa.

Continuam as três no topo e cimentaram já o seu lugar na História, ombreando nas calmas com nomes como Nick Cave – que mandou Berninger à merda nos bastidores de Coura em 2005, segundo o próprio. E, bom, a parte que interessa de um alinhamento dos The National é mesmo desses anos artisticamente frutíferos.

Uma Sea of Love relembra-nos a urgência de The National à séria, em especial no confronto com o material mais recente. De facto, este concerto é como a orografia do recinto: de altos e baixos; os altos são os verdadeiros clássicos e os baixos as reticências de I Am Easy to Find, que nem uma Mina Tindle, mulher de Bryce Dessner, conseguiu mitigar com grande sucesso.

Culpa dela? Não, culpa de um Matt Berninger que continua a ser um dos grandes vocalistas desta vida, mais o seu Evangelho de ir afagar cabeças e mãos ao público e de o sentir na pele, de fazer do copo e da dança e passo nervosos compasso rítmico e emocional e de tiradas como “temos Lua cheia? Coisas boas acontecem em noites de Lua cheia!”. Coisas como Fake Empire, cujos acordes de piano levantam um coro de aprovação em mais um momento para mais tarde recordar, com todos os arranjos de sopros possíveis.

A coisa corria razoavelmente bem, mas só razoavelmente porque se de Boxer só tivemos Fake Empire, de Alligator só tivemos Mr. November, agora sem a berraria no refrão, mas sempre aquele coração aquecido pelo punho erguido no ar e com Berninger a fazer das suas. Mas, diga-se com frontalidade: estas ausências dos dois melhores álbuns da banda na setlist têm de cessar.

Uma Terrible Love solene e um regresso mui aguardado aos tempos mais recônditos da banda com About Today fecharam a parte que interessa do concerto dos rapazes adultos. Sim, o efeito conseguido pela a cappella de Vanderlyle Crybaby Geeks assenta muito bem no anfiteatro natural de Coura (e nos feeds de redes sociais e engagement de marcas), mas JÁ CHEGA DE TERMINAREM CONCERTOS COM ESTA, GAITA.

Se os fãs mais antigos podem ter ficado chateados com o concerto ou, como é o nosso caso, numa posição intermédia de glorioso concerto a espaços, certo é que nos ecrãs se via, mesmo com as agruras festivaleiras e da vida, muita gente feliz com lágrimas, como diria João de Melo. Banda honesta, alinhamento assim-assim.

Mas podem sempre voltar, desde que tragam histórias de apartamentos, o Abel e confusões com estranhos.

 

Alinhamento do concerto:

You Had Your Soul With You
Don’t Swallow the Cap
Bloodbuzz Ohio
Guilty Party
Hey Rosey
Oblivions
Sea of Love
Day I Die
The System Only Dreams in Total
Darkness
Where Is Her Head
I Need My Girl
Pink Rabbits
Graceless
Fake Empire
Rylan
Light Years
Mr. November
Terrible Love
About Today
Vanderlyle Crybaby Geeks


sobre o autor

José V. Raposo

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