Reportagem


No Fun At All + Artigo 21 + To All My Friends

Celebração Mestre

RCA Club

23/02/2018


Estamos de volta ao RCA Club para mais uma noite de power chords, moches, mergulhos e – porque a Hell Xis é o Pai Natal não-oficial do underground –  heróis veteranos do punk hardcore.  No fundo, um fim de semana como os outros.

Em 2018 os suecos No Fun At All gozam de uma crepuscular adoração que esgotou a sala. Trintões e quarentões pululavam a sala de Alvalade que à hora marcada estava longe de compactada. Não seria uma noite para casuais fãs da banda; os presentes cantariam os temas da banda de Suicide Machine com o entusiasmo de quem tinha 15 anos em 1996 e sorvia da energia punk com hormonal entusiasmo.

E por falar em ter 15 anos…

Coube aos To All My Friends o primeiro convite para que nos chegássemos à frente do palco. E não, não nos parece que algum deles tenha 15 anos, mas seriam a banda que, quando estávamos na idade, ouviríamos com gosto nunca admitido.

É curioso olhar para o banner que a banda tinha em palco e ver a descrição “pop punk”. No início e meados dos anos 2000, quando o género se popularizou, era comum ver bandas desvincularem-se do rótulo, mas – um pouco como o “emo” – o termo deu a volta e tem uma melhor conotação hoje em dia.

To All My Friends

To All My Friends

Quanto aos sadinos, que lançaram Head Above Water no fim do ano passado, ao vivo traduzem bem o punk que lhes corre nas veias. Houvesse mais pessoal do skate ou do surf no público e os constantes “bora lá, pessoal” que se ouviam ao microfone tinham resultado à primeira. Mas o público é mais velho e, tão cedo na noite, menos afoito. Valha-nos aquela única moça que fez o moche sozinha. Em palco, não se dava parte fraca e, à força de insistir na energia, os temas lá foram contagiando a audiência. “Esta próxima chama-se ‘Dressed in Red’,” anunciava o vocalista. Seria por esta altura que nos ocorria que a banda tem mais ou menos tudo o que precisa para criar um nome para si. As composições estão no ponto, ao vivo não se fazem rogados e, ainda que as temáticas andem pelo campo semântico do secundário, das relações e das amizades que duram para sempre (não duram), é tudo muito apropriado. Se tudo correr bem, os To All My Friends tornam-se grandes amanhã. É muito melhor ouvir estes rapazes a discorrer sobre agruras da adolescência nesta altura do que esperar que tenham 30 para lhes prestarmos atenção. Já tivemos os Fonzie e concordamos que começou a ser esquisito, não?

“Infelizmente chegamos ao fim; este é o nosso single principal, é a ‘Pieces’,” anunciava-se antes de se pular de cabeça para o tema mais orelhudo da noite. Não que a banda viva demasiado da parte “pop” em “punk-pop”, mas é aqui que têm o ganha pão e ainda bem que o assumem.

No fim, houve foto de família com o público a vir à frente fazer moldura em sinal de reconhecimento de um bom concerto.

Da nossa parte, ainda bem que os apanhámos nesta fase incipiente antes de descolarem para outros voos. Parte do apelo de escrever para zines é poder dizer que já conhecíamos antes de toda a gente.

Pontos extra pela t-shirt do baixista no videoclip da “Forever With You”. A Hell Xis lê estas reportagens e aqui no Arte-Factos precisamos que saibam que vendíamos uma perninha para ver Thrice ao vivo. Ainda bem que pelo menos um de vocês está connosco.

Artigo 21

Artigo 21

Seguir-se-iam os Artigo 21 e o seu punk mais interventivo. É interessante ver que numa só noite as três bandas em palco representavam três fases diferentes de um percurso musical. Pela sua parte, os Artigo 21 parecem estar já sedimentados no nosso panorama musical. Não vimos apenas uma, nem duas pessoas com merchandise da banda e o número de pessoas que já trazia temas decorados surpreendeu-nos pela positiva.

Foi de longe um concerto mais participado, que é tanto mérito de uma carreira que data de 2012, como da entrega de sangue na guelra de Tiago Cardozo.

Confessa o vocalista a determinada altura que “é um sonho estar aqui com os To All My Friends e com os No Fun At All,” (leia-se, nôfanarole). A genuinidade das palavras não caíria em saco roto e já os cabeças de cartaz estavam em palco, o homem da frente dos Artigo 21 assistiria religiosamente ao concerto do lado do palco.

No entanto, porque isto não é o Pander-Factos – o Comunidade Cultura e Arte é na terceira à esquerda, ao fundo do corredor – indultem-nos nestas picuinhices que se seguem. Ninguém tira o mérito de saber entreter o público, o virtuosismo de um solo conjunto de duas guitarras, ou os refrães com direito a pergunta e resposta de “Espera Por Mim”, mas os Artigo 21 caem no mesmo buraco lírico de outras bandas portuguesas a escrever na língua materna. Dois tiques em particular saltam à vista (ao ouvido?): o primeiro é saído da Escola de Engenharia Agrária de Canto de António dos Santos – Tim dos Xutos, para os amigos – que consiste em prolongar excessivamente vogais fechadas a cantar (vide: “Dia de S. Receber”). O outro resulta de escrever numa língua que quer ser lírica, mas não é propriamente musical. E acontece mais vezes do que não acabarmos com uma quantidade enfastiante de rimas com verbos no infinitivo. É quase batota.

Outra vez, nada disto mexe com a qualidade do concerto, mas já que a banda está em estúdio, não é despiciente apontá-lo.

O concerto termina com “Ódio Não é Amor”, tema comendável pelo assunto sensível, mas não sem antes se agradecer a quem trouxe os No Fun At All cá ao burgo. “Estou farto que as minhas bandas favoritas não venham a Portugal e hoje estou a tocar com uma delas,” remata o vocalista. Já versámos sobre isto na reportagem de Comeback Kid, mas o underground punk (e hardcore) trata melhor os fãs do que qualquer outro. Os de Artigo 21, que não pararam quietos enquanto faziam a festa cá em baixo, também acharão o mesmo.

No Fun At All

No Fun At All

Faltam os No Fun At All.

O RCA Club esgotou para ver os suecos e a margem de manobra na plateia é mínima. Quem diria que uma banda que não lança um disco novo desde – vê notas – 2008 ainda move tanta gente? Absence makes the heart grow fonder, supomos.

Já na recta final do certame, Ingemar Jansson agradece aos fãs cá em baixo a atitude irrequieta daqueles e aos que estavam nos balcões por terem vindo e desfrutado de uma maneira, nas palavras do vocalista, “a bit more mellow.” A verdade é que o concerto foi feito a estas duas velocidades: loucura desmedida e contenção adulta. Em palco e fora dele.

Não vale a pena discorrer sobre como o tempo passa por todos como se isso fosse uma observação interessante, é preferível elogiar a voz de Jansson que não mudou assim tanto nos últimos quase 30 anos e agradecer à ala mais recente da banda por fazerem os “tepecês” facultativos da energia em palco.

“Believers” irrompe primeiro a toda a velocidade e o espetáculo engata a quinta logo de início. Houve alguns soluços aqui e ali com microfones e PA de retorno, mas estes momentos mortos serviriam para a banda se dirigir ao RCA. “Hey, if anyone finds a shoe, it’s this guy’s,” avisa o timoneiro da banda sueca enquanto elogiava o público português.

É de notar que apesar da nostalgia de assistir a uma banda formada em 91, com temas com idade para tirar a carta, o catálogo da banda goza de uma actualidade perene. E sim, havia no público muita barriguinha de cerveja, mas também havia quem só poderia ter descoberto a banda depois desta ter pendurado as botas da primeira vez. Faz sentido; sentirmo-nos aborrecidos e que ninguém nos entende é algo que nunca não há de ser intrinsecamente adolescente, e o lado crítico e contracultura dos No Fun At All parece mais relevante hoje do que nunca. A alegria e diversão em palco, de quem leva a sério a missão de entreter ao vivo, mas não se leva a si demasiado a sério, não dá margem a pretensiosismos datados que uma ou outra farpa social poderia acumular com o tempo.

Tal como os To All My Friends, os No Fun At All também fariam uma pausa para a fotografia antes de saírem de palco para o único encore da noite. Já embrenhados em território de clássicos, atiram-se a “Beat’em Down” e a uma sequência final que termina com “Master Celebrator” cantada a pulmões cheios por entre empurrões, stage dives delicados e cerveja pelo ar (a pior merda de qualquer concerto).

“You guys were amazing, thank you so much.”

10/10.

Galeria


(Fotos por Hugo Rodrigues)

sobre o autor

Jorge De Almeida

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