Reportagem


Deerhunter

Agradável concerto de uma banda ora inconsistente, ora resplandecente.

Praia Fluvial do Taboão

15/08/2019


© Hugo Lima / Vodafone Paredes de Coura 2019

Os Deerhunter são um caso curioso. Uma das bandas mais badaladas (e empoladas) da década, desdobram-se em colaborações e projectos a solo igualmente providos de qualidade – mas paira sobre eles uma aura de que falta sempre qualquer coisa para chegar ao Olimpo. Regressaram a Coura depois de um concerto em 2011 que tresandou a ruído (é elogio, atenção).

Voltamos ao tema da passagem do tempo: em 2011, a formação e sonoridade da banda eram de um rock alternativo que sempre piscou o olho à experimentação e ao noise, mas sem chegar a ter teclas e saxofone em palco. Lamenta-se a morte do baixista Josh Fauver e saúda-se a entrada de Josh McKay e Javier Morales nas teclas e saxofone.

Já Bradford Cox é um camaleão, nem sempre bem conseguido. Tal reflecte-se na música da banda: umas vezes secante e um pastiche de jangle e heartland rock, outras verdadeiramente inovadora e única. Presume-se que agora esteja numa fase em que esteticamente procura ser uma divorciada de 45 anos e/ou um adolescente suburbano de Atlanta com queda para os blazers kitsch. Mas continua a chumbar a Geografia de Portugal: estás a tocar em Paredes de Coura e não no Porto, pá.

Se não distingue as regiões, faz questão de dizer que anda a ouvir música nacional. Fala em Rafael Toral e em Nuno Canavarro (o trabalho a solo de Cox é em tudo semelhante a Plux Quba) e nos Street Kids, que um dia destes ainda terão lugar a versão de Propaganda por parte dos Deerhunter ou coisa que o valha.

A sequência Cover Me (Slowly)-Agoraphobia é um exemplo de que os Deerhunter podem fazer música simplesmente bela, aumentada em palco pelos novos elementos e pela própria fome de bola da banda. Mas isso é passado, que Why Hasn’t Everything Already Disappeared (2019, 4AD) contém uma mui interessante What Happens to People?; representa outro terreno em que a banda se movimenta bem, o da pop com guitarras. Cox muda para o baixo e a canção vai por caminho ritmicamente diverso.

Há que dizer isto com frontalidade: Halcyon Digest é um dos grandes registos da década. Muito bem-vinda por isso a inclusão de seis canções do disco na setlist: HelicopterRevivalDesire Lines, Sailing, Coronado e He Would Have Laughed. E renove-se a frontalidade: são a parte que realmente interessa do concerto dos Deerhunter.

Elas e as muralhas de noise tão bonitas quanto contundentes, um casamento entre o onírico e a melodia jangle. Helicopter Coronado são monumentos pop que por acaso são tocados por uns gajos ditos alternativos, agora de maior pulmão porque há mais mãos na banda; por seu turno, Sailing podia ser um lado B dos Velvet Underground.

Mesmo com um som de bateria e de microfone abaixo do necessário para dela se desfrutar na plenitude, Desire Lines é uma malha transcendental. Lockett Pundt, sempre com aquele ar de fuinha, vira filósofo do cepticismo indie e cruza guitarras com Cox – a execução destes é acertada e o resultado é fenomenal.

O mesmo não se pode dizer das novas Futurism Plains, que delas não rezará grande história, mesmo com os arranjos em disco de Tim Presley e Cate Le Bon. Guardaram para o fim a homenagem ao saudoso Jay Reatard, He Would Have Laughed. É uma canção bonita até dizer chega, cuja quebra quase que pretende emular a passagem do Purgatório para o Paraíso.

Bafejados pelos Deuses da Melodia, também a letra é uma evocação do caraças: “I get bored as I get older, can you help me figure this out?”; Cox é um tipo cheio de interrogações, mas deverá ter a certeza de que Reatard não chegou a velho e que terá de responder a essa pergunta por si mesmo. Agradável concerto de uma banda ora inconsistente, ora resplandecente.

 

 


sobre o autor

José V. Raposo

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