Mão Morta

No Fim Era o Frio
2019 | Rastilho Records | Rock alternativo/experimental, Electrónica

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Os Mão Morta, uma das maiores instituições do rock português após trinta-e-cinco anos de carreira, não trabalham como os veteranos de vida feita e do disco automático por obrigação. Desafiam-se e desafiam-nos. “No Fim Era o Frio” vinha para desencantar mais uma faceta diferente das dos dez discos anteriores e já vinha com um aviso de ser “mais electrónico.”

Nada de alarmante, os Mão Morta percorrem mesmo caminhos muito diferentes uns dos outros sempre com a identidade vincadíssima e o uso de electrónica não teria que assustar, se sabemos bem como a coisa funciona com Adolfo Luxúria Canibal por perto, através da existência do projecto Mécanosphère. E vimos de um pesadote e orientado por riff, às vezes meio stoner, “Pelo Meu Relógio São Horas de Matar,” que seguiu o mais pop e radio friendlyPesadelo em Peluche”, para um “No Fim Era o Frio” que afinal não se reveste assim tanto de sintetizadores e/ou camadas electrónicas, mas serve-se desse auxiliar para criar arrepiantes ambientes e para dar toda uma outra cor à música já sinistra e perversa dos Bracarenses. A desenrolar-se sobre um conceito apocalíptico de ficção científica, com um Adolfo a conquistar todos como já o sabe fazer, acabando por trocar praticamente todo o canto pela fala, pela inimitável narração e por lá o que quer que lhe esteja a acontecer no final de “Um Ser que Não se Ilumina.”

A tal electrónica encontra-se presente, seja com alguma batida menos usual como a inicial de “A Minha Amada”, seja a marcar realmente o núcleo da canção, como em “Oxalá” ou a marcar um gélido ambiente minimalista a acompanhar a narração de “Invasão Bélica”. Mas não se apodera do disco, onde ainda entra um senhor riff pesadote de mexer com alguns fãs de doom ou stoner na destacável “Passo o Dia a Olhar o Sol”, e ajuda a fluir a narrativa de Adolfo – aquela voz penetrante em modo spoken word será sempre o centro e a narrativa de “A Minha Amada” pode não ser muito recomendável aos mais sensíveis, mas na verdade é imperdível – sobre uma invasão extraterrestre entre outras condenações deste moribundo planeta. Ao longo destes 50 minutos, é redutor focar-se apenas no factor electrónico como algo chocante, quando é um álbum cheio de diferentes tons, influências e sonoridades – não dá para deixar passar que também existem aqui muitas passagens de post-punk à antiga. No fim eram só os Mão Morta a fazer mais um grande disco difícil de classificar. Ou no fim era o frio.

Músicas em destaque:

Um Ser que Não se Ilumina, Passo o Dia a Olhar o Sol, A Minha Amada

És capaz de gostar também de:

Mécanosphère, Bizarra Locomotiva


sobre o autor

Christopher Monteiro

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