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The Danish Girl
Título Português: A Rapariga Dinamarquesa | Ano: 2015 | Duração: 119m | Género: Biopic, Drama
País: Reino Unido EUA, Bélgica | Realizador: Tom Hooper | Elenco: Eddie Redmayne, Alicia Vikander, Matthias Schoenaerts, Ben Whishaw, Sebastian Koch, Amber Heard

É sem sobressalto que o espectador se deixa deslumbrar por The Danish Girl, último trabalho de Tom Hooper, responsável em 2011 pelo feel good movie do ano. Fiel ao estilo clássico da sua filmografia, todas as peças deste filme parecem estar no sítio certo: O espantoso guarda-roupa, a excelente banda-sonora de Alexandre Desplat, a mise-en-scène pormenorizadamente composta, as cores quentes da fotografia. Mas, por comparação a The King’s Speech, estamos agora perante uma obra cujo tema é bastante mais incómodo: A trágica biografia do pintor dinamarquês Einar Wegener, que ficou na história (embora, até agora, votado a um certo esquecimento) como a primeira mulher transgénero nos anos 20 do século XX, ou o primeiro homem que lutou desesperadamente por se tornar numa mulher, submetendo-se a uma operação experimental de mudança de sexo. Para viver esta figura pioneira, Tom Hopper procurou os muitos talentos de Eddie Redmayne, vencedor do Óscar de melhor actor em 2015 pela sua (também) espantosa transformação em Stephen Hawking em The Theory of Everything. Foi aliás pela mão de Hooper que o actor de 34 anos se fez notar pela primeira vez – e independentemente do que se possa pensar do filme, os dotes vocais de Eddie Redmayne não passam despercebidos na adaptação de 2012 de Les Misérables. A Academia – que sempre teve uma predilecção por actores que se submetem a profundas transformações físicas – optou por nomeá-lo uma vez mais. Mas na verdade, não haveria como não o fazer, já que Redmayne parece ter nascido para este papel. Se a transformação física é evidente, a gradual mutação psicológica que a personagem exige é muito bem conseguida.

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Baseado no romance homónimo de David Ebershoff, o argumento de Lucinda Coxon escolhe descentrar-se do drama individual do protagonista (tanto quanto é possível fazê-lo) e antes contar uma incrível história de amor, que acompanha não apenas a delicada transformação de Einar Wegener em Lili Elbe mas a relação de Einar com a esposa Gerda Wegener, também pintora. Claro que o argumento, tal como o romance de Ebershoff, toma diversas liberdades em relação à história (as coisas não correram exactamente assim para Einar e Gerda), embeleza-a em demasia e acaba por tratar com uma certa ligeireza a complexidade comportamental e sexual que a personagem de Einar/Lili exigiria. No entanto, subaproveitando o debate sobre a questão da transsexualidade e da convulsão social que (ainda) provoca, é uma perspectiva que levanta outras questões interessantes: A possibilidade de tal metamorfose ocorrer num casal sem que a cumplicidade, o afecto ou a aceitação sejam postos em causa. A experiência da transformação não como um processo solitário e terrível mas como um caminho a dois. O lado de quem fica do outro lado.

E aqui chegamos à verdadeira surpresa do filme: A sueca Alicia Vikander no papel de Gerda – cuja luta pessoal não é inferior à da sua contraparte. Ao contrário da performance de Redmayne, que naturalmente beneficia do transformismo que a personagem determina, Vikander não pode apoiar-se nessa dimensão visual: Gerda é feita de contradição, abnegação e subtileza. A força do seu desempenho garante-lhe um papel mais central no filme do que o do próprio Redmayne. Ela é a pobre rapariga dinamarquesa do título, condenada a aceitar a condição e a tranformação do homem que ama, condenada a apoiá-lo e condenada a perdê-lo. Num filme demasiado encenado mas técnica e esteticamente inatacável – em que tudo parece certinho, mas distante – Gerda é a única personagem que consegue inspirar emoção verdadeira e não parece pintada num quadro da época.


sobre o autor

Edite Queiroz

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