Entrevista


Elías Merino e Tadej Droljc

Synspecies está em exposição até ao final do festival, no primeiro andar do Theatro Circo.


© SEMIBREVE

Como já havia acontecido no ano anterior, o Festival SEMIBREVE atribuiu o Edigma Semibreve Award a um projecto que será exposto ao longo deste fim-de-semana. E para a edição de 2018, premiou-se Synspecies, da autoria conjunta entre Elías Merino e Tadej Droljc, uma instalação artística que ficará exposta no primeiro andar do Theatro Circo, composta por um sistema de som 4.1 e três monitores justapostos em corredor. 

O único contacto que tive com o seu trabalho — que à data da entrevista estava ainda em processo de montagem — foi num pequeno preview disponível no Vimeo. A breve descrição do vídeo refere “ecologias virtuais”, espaços abstractos na qual se manifesta o sujeito, por assim dizer, desta criação: uma presença visual e sónica, unificada. O seu propósito ou motivação não é inteiramente claro, e assoma-me uma série de perguntas que levo, comigo, para a conversa com ambos os artistas, sentados no átrio do piso superior do Theatro Circo, onde ultimam a sua instalação.

Elías, espanhol, e Tadej, esloveno, conheceram-se há três anos na faculdade, enquanto estudavam. Daí, conta Eliás, reconheceram “uma abordagem similar na maneira como abordávamos o objecto; no meu caso, trabalhava apenas com o som, e ele com o material audiovisual”. E mais tarde, “construímos uma linguagem comum para abordar um objecto audiovisual, mas fora das nossas zonas de conforto; e começámos a pensar em espaços abstractos, nos quais habitam entidades audiovisuais, que estão de certa forma interligadas, enquanto sofrem mutações e transformações através de forças”. E a ideia é mostrá-lo numa relação unificada entre o som e a imagem, de forma a que o processo perceptivo também seja relevante, acrescenta Tadej: a ideia do objecto enquanto se forma na percepção. 

O universo visual e sónico que nos é apresentado contém a tal presença, a entidade, que mexe e estrebucha duma forma que julgo violenta; parece ocorrer uma espécie de resistência, uma manifestação em bruto de uma vontade. Os movimentos são fluidos, e o som é possante e expressivo. Ambos reconhecem a possibilidade de reconhecer violência ao projecto, mas não aderem completamente a essa ideia; antes, remetem para a abertura de interpretações que a própria natureza abstracta do projecto possibilita. Uma interpretação que remonta ao nível mais básico possível da percepção.

Aconteceu, de resto, várias vezes ao longo da conversa usar-se o termo percepção, que revela por sua vez um dos grandes fascínios da filosofia do século XX; por sua vez, contaminou várias áreas do conhecimento, e inevitavelmente a arte. Ocorre-me perguntar-lhes como evoluiria este projecto caso não houvesse nenhum tipo de constrangimento na sua execução, fosse de ordem financeira, ou de limitação computacional, ou mesmo a nível conceptual: qual seria o estádio final de Synspecies se pudesse emancipar-se da tecnologia e realizar-se como conceito puro?

Nós fazemo-lo desta forma porque gostamos deste resultado; é intencional”, diz Elías, e Tadej completa: “Muito do trabalho passa pela nossa relação com a tecnologia. Pelo menos quanto a mim, nunca tenho uma ideia e parto imediatamente para a sua concretização. É preciso mudá-la, planeá-la, e é um diálogo constante entre criar as ferramentas para concretizar a ideia, e depois gerar a própria ideia.” Por isso, a tecnologia tem um papel absolutamente central na execução da peça, de forma tal que domina o planeamento logo após o conceito. Ainda assim, Tadej permite-se imaginar: “Em termos audiovisuais, suponho que seria algo similar – ou talvez não – mas não me limitaria aos três ecrãs e aos quatro canais de áudio; teria o público suspenso no ar, a flutuar pelo meio destas presenças”.

A manifestação de Synspecies tem uma natureza fixa — ou seja, a instalação que vai ser apresentada é um objecto pré-determinado. É uma decisão que se explica pelos problemas técnicos de renderização em tempo real, como pela dificuldade em estabelecer uma narrativa com um objecto tão volátil, maleável instantaneamente; e, por isso, optaram por construí-lo como se fosse uma composição, com oportunidade para o diálogo e o comentário entre os dois artistas e o objecto criado. Além disso, é um ensaio mais pequeno de um conceito que ambos pensam poder expandir em 2019. Vamos ficar atentos. Synspecies está em exposição até ao final do festival, no primeiro andar do Theatro Circo.


sobre o autor

Alexandre Junior

Interesso-me por muitas coisas. Estudo matemática, faço rádio, leio e vou escrevendo sobre fascínios. E assim o tempo passa. (Ver mais artigos)

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